Crônicas

A vela e o fogo

        A vela seria somente vela se não tivesse o fogo a tremelicar com o vento. Desenhando formas desordenadas nas paredes, dando vida ao breu, entretendo as pessoas, o motivo de brincadeiras de crianças, quando juntam os dedos das mãos e fazem teatro nas paredes.
        Os pratos são servidos romanticamente por elas, quando um casal se junta e comemora, em brinde ao casamento do futuro ou de outrora, lira de muitos anos vividos, vida de amantes, enamorados, ou então a aurora de um amor nascendo nos seres aconchegados.
       A vela é somente vela quando o corpo é velado, e se despedem do morto, em choros, abraços, saudades, desejando que a longa viagem não termine em trevas. O fogo é outra vida.
       A vela é aniversário, é comemorar de anos, passar do tempo, e elas vão se multiplicando a cada ano vivido, desejando todos que elas se renovem.
     Ela conduz o viajante pela estrada escura, é protegido o fogo com a mão em borco como se fosse uma lamparina, dessas que se veem nas carruagens. Ela conduz o morador por entre os quartos escuros, quando a luz dos homens se apaga, e, verificado cada ponto, cada barulho indistinto, como se andasse em um labirinto.
     Ela segue na procissão, repetida de mão em mão, adorando a imagem que segue no andor, carregada nos ombros dos homens. É a virgem iluminada unindo corações. A derramar suas lágrimas quentes que escorregam nas mãos trêmulas dos jovens na primeira comunhão.
       O que seria da vela, se não existisse o fogo?
     Seria apenas um pedaço de sebo, parafina, esquecida em uma gaveta, com a caixa de fósforos ao seu lado, preparados para o chamado de emergência ou da comemoração, reunindo os homens ou dando ao solitário a companhia.
       Está na mansão ou no casebre, no castelo, nas igrejas, caminhando com o santo e o seu capuz na estrada, ou o homem impuro, preso na tocaia, à espera do outro, ela a vela, ele o fogo, companheiros inseparáveis que se transformam em luz.

Fonte da foto: morguefile.com

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Nilson Lattari

Nilson Lattari é carioca, escritor, graduado em Literatura pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e com especialização em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Gosta de escrever, principalmente, crônicas e artigos sobre comportamentos humanos, políticos ou sociais. É detentor de vários prêmios em Literatura

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