Crônicas

O que dizer em tempos de cólera?

        Fico aqui imaginando que houve um tempo em que poucos tinham a oportunidade de dizer algo substancial, ou porque tinham acesso aos meios de comunicação, ou então, não fazendo parte da “equipe” dos donos da verdade, amparados em poder econômico ou político, se comunicaram através da arte, seja na música, no teatro, no cinema, na literatura, furando o bloqueio das mãos amestradas que alugaram seus talentos e se tornaram celebridades.
        Hoje, todos têm algo a dizer. E a oportunidade de dizer, pela internet, aos poucos se descobriram em pensamentos comuns, e aqueles “que têm a opinião formada sobre tudo”, finalmente, se viram como a maioria.
        Se tanta gente boa, ao longo da civilização, através da filosofia, da história, transmitiu conhecimentos, oriundos da reflexão, não despertou em muitos, no entanto, esse exercício autônomo, independente de pensar, o que acontece?
       Quando imaginávamos um mundo de igualdades e, chegando no futuro, nos deparamos com nossas diferenças, e descobrimos, com espanto, que amigos pensam de formas tão diferentes, não dá para imaginar o que escrever em tempos de cólera, o que fazer?
       Nos tempos pós-modernos aparecem os manifestantes de direita, jovens se intitulam conservadores, ruborizando os verdadeiros conservadores, com suas teorias sem pé nem cabeça, e têm como adversários os esquerdistas, simplesmente todo aquele que pensa diferente, seja no conceito do gênero, do político, do social, do econômico, enfim, sobre tudo.
       Mas, o que dizer em tempos de cólera? Os coléricos têm muito a dizer ou, simplesmente, fazer. Bater, espancar, mandar matar, ignorando que a sociedade civilizada julga, não, se vinga.
        A cólera tem como único pensamento embaçar a procura de soluções.
       Quando uma escolta armada dá segurança a um caminhão de transporte e chega em uma cidade, para atender à população, é necessário dois ou três guardas fortemente armados, dois carros de escolta, o trânsito parado e uma quantidade de transeuntes no meio de um possível fogo cruzado. Em uma sociedade com menos desigualdade, seriam apenas um caminhão, sua carga e seu motorista. A indústria da desigualdade gera oportunidades para os fazedores de justiça, para aqueles “que têm opinião formada sobre tudo”.
        Mas, o que fariam aqueles que apenas veem na vontade de bater no outro em um tempo sem cólera? Nada teriam a dizer, seriam vozes vazias e punhos sem o que fazer.

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Nilson Lattari

Nilson Lattari é carioca, escritor, graduado em Literatura pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e com especialização em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Gosta de escrever, principalmente, crônicas e artigos sobre comportamentos humanos, políticos ou sociais. É detentor de vários prêmios em Literatura

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