Crônicas

Da “sujidade” das universidades

        Recentemente, no Congresso Nacional, em Brasília, em uma CPI, compareceu o comandante do Exército brasileiro para responder às perguntas dos congressistas em uma comissão. Segundo as suas palavras, comparou o ambiente “limpo” dos quartéis com as condições não tão limpas das universidades brasileiras, como uma prova de conduta e disciplina. Em um primeiro momento poderíamos atribuir a retidão dos profissionais diretamente ligada ao ambiente livre das “sujeiras” dos ambientes. Mas há uma relação entre as duas coisas?
        No mesmo instante, veio a mim uma lembrança quando, ao chegar em casa, minha mulher me disse que meu filho, então com uns quatro anos, teria riscado uma das paredes do apartamento. Em tempos anteriores a figura paterna, imediatamente, faria uma admoestação ou mesmo uma reprimenda mais dura pelos danos causados ao patrimônio da família.
       No entanto, refleti que não seria esse o meu comportamento. E perguntei ao meu filho por que ele fizera aquilo. Na sua inocência me disse que teve vontade de fazer isso. Realmente, o que seria o mal em cometer esse suposto delito? Era uma parede!
        A minha reação foi contrária ao que seria o senso comum e decidi fazer um acordo com ele. Ele poderia escolher uma das paredes do apartamento, e tão somente aquela, para que pudesse fazer o que bem entendesse. Sendo que, ao infringir a regra, não seria mais permitido que fizesse mais suas “sujidades” em qualquer outro lugar da casa. O acordo foi feito e ele escolheu a parede da sala de estar, abaixo da janela, para desconcerto da minha mulher.
        As palavras do comandante me trouxeram um outro momento de reflexão. Daqueles ambientes “sujos” das universidades saem os médicos que nos curam, as enfermeiras que cuidam de nós, os advogados que nos defendem, os engenheiros que se responsabilizam pelos caminhos onde passamos e onde nós moramos. Além deles, os nutricionistas que nos aconselham a melhor forma de nos alimentar, os profissionais de educação física que nos orientam nos exercícios, e também os professores que nos ensinam e ensinam os nossos filhos. E muitos e muitos profissionais que se dedicaram a estudar, tornaram-se cientistas e pesquisadores que “sujaram” as universidades e tão somente elas, sem sujar o que está fora delas, pelo menos na sua grande maioria.
        Ao meu filho eu demonstrei que a liberdade tem um limite, quando atinge além dos seus direitos a liberdade e o lugar do outro. E nas universidades, dentro desse sentido de universal, de total ambiente de liberdade, também se ensinam a ética e o juramento do futuro profissional.
      Desse ambiente “sujo”, aprende-se a refletir e pensar o mundo, e ter a visão do mundo fora de uma lateralidade, tentando compreendê-lo e modificá-lo. Essa reflexão, inclusive, serve para mostrar o quanto de sujo um ambiente “limpo” pode esconder. Afinal, também nos ambientes “limpos” nem tudo o que sai é perfeito.
        Ah! Sim, o garoto que “sujou” o apartamento é um médico hoje.

Origem da foto: Foto de Jazmin Quaynor na Unsplash

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Nilson Lattari

Nilson Lattari é carioca, escritor, graduado em Literatura pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e com especialização em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Gosta de escrever, principalmente, crônicas e artigos sobre comportamentos humanos, políticos ou sociais. É detentor de vários prêmios em Literatura

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