Crônicas

Todo valente morre nas mãos de um covarde

      Onde vivi, esse dito era frequentemente espalhado, às vezes em alto e bom som, como se fosse um desafio desesperado, outras vezes no cochicho, na artimanha, no preparo da arma, no engatilhar das palavras, no entre dentes amargurado de quem prepara, meticulosamente, a campana e a emboscada.
        Mas, quem é o valente?
        Aquele mais forte, o mais poderoso, o mais sugestivo, o mais acintoso, o mais temerário, o mais ardiloso?
     Nem todo valente parece ser o que aparenta. O exercício da valentia passa pela intimidação: do corpo avantajado; do olhar desafiador; da imposição, com dedo em riste, de um argumento; sob a proteção de um poderoso ou atrás de um armamento. São muitos os motivos para um valente exercer seu poder. Muitas vezes pode esconder uma covardia guardada. Porque não existe nada mais covarde do que um valente submeter o outro sob a mira de uma arma, seja ela opressão do dinheiro, a proteção de um poder político ou o manto de uma máfia.
       Muitos são valentes, poucos são heróis. Mesmo que traga algum benefício para alguns, um valente que utiliza as armas acima não é um herói. É um covarde se utilizando de um poder momentâneo.
       Nem todo covarde parece ser o que aparenta. Um covarde pode ser um valente que usa as armas que têm. Um covarde pode ser um herói que toma a última medida pensada. Um covarde pode ser alguém desesperado por justiça, que se arrisca tentando defender a si mesmo e a outros sendo, assim, mais valente que a valentia, usando as poucas armas que tem. O covarde é a guerrilha com a coragem disfarçada. Um covarde pode ser um herói que não deu certo, que não alcançou seu intento, e, depois de eliminado, é o valente que vai contar a sua história: A covardia pode ser uma versão da história contada por um valente.
      Assim também são as ideias. Uma ideia é algo que enfrenta o desconhecido. Uma ideia sobrevive quando ela é, valentemente, defendida ao longo do tempo, e, mesmo escondida pela covardia, pelo medo, ela sobrevive, ela germina. Manter uma ideia é o melhor ato de valentia que pode existir. Ela vive nas mentes, ela se propaga, a despeito do que os valentes pensam.
      Não existe nada mais covarde do que combater a ideia, o pensamento, o livre-arbítrio. A ideia é a heroína que não se rende, não se entrega, evolui e encontra brechas para vencer. Todo valente, que usa a força para se impor, morre nas mãos da ideia sobrevivente. Porque o valente não consegue matá-la, ele reage como um cego que agride todos quando a ouve, porque a ideia é limbo, é fugaz, é vislumbre, ela se propaga. Ela está escondida e vive, e na mente do valente é um segredo, como um vírus e uma bactéria que sempre causa dor, angústia e medo.
     Todo valente morre nas mãos daquilo que o amedronta, um valente sempre tem algo a temer, porque criou as bases para a sua destruição. Nenhum valente é mais herói do que aquele que persiste em manter limpo e coerente o seu pensamento.

Fonte da foto: Photo by Geran de Klerk on Unsplash

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Nilson Lattari

Nilson Lattari é carioca, escritor, graduado em Literatura pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e com especialização em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Gosta de escrever, principalmente, crônicas e artigos sobre comportamentos humanos, políticos ou sociais. É detentor de vários prêmios em Literatura

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