Crônicas

Poesia em tempos de erupção

        Aliás, o que leva alguém a fazer poesia em tempos onde a prosa, cada vez mais escassa, teima em ser rápida e concisa? Como se alguém fosse chegar à janela, interrompendo o prosador ou o poeta, em suas divagações.
         Nada mais prosaico do que poetizar com tato, informando, dizendo em palavras encadeadas em verso, que a temporada das ilusões perdidas ainda não é chegada.
      É dura a luta contra balas de borracha nas ruas, quando não quicam, como deveriam ser os atributos da própria, que encontram o olho de alguém que usa, apenas como arma, as mãos espalmadas e o grito de fora, vambora, porque a luta tem que continuar.
       Nada é menos prosaico do que a grita geral da vingança mesquinha contra uma ventania de gente que se agita e quer, apenas, que se respeite aquele direito de colocar sua opinião e a veja produzir frutos, dentro da coerência envolta em humanidade; mas nem todos gostam da mesma fruta.
       Quem agride tem medo, esteja certo, porque se você usa as mãos para bater, com certeza nunca vai aprender que elas, espalmadas, são lutas reais, e elas, contidas, são a raiva escondida que querem um dia fazer mal.
       Existem, é claro, os neutros, aqueles que, para não admitirem que estão em um lado, em um gesto envergonhado, dizem que todos são farinha do mesmo saco mas, decerto, esperam que ele esteja furado, e seus preferidos escapem e seus interesses salvos.
      São os protestantes, sem trocadilhos, de finais de semana, como os corredores candidatos ao próximo enfarto. Esbravejam, rolam éticas, mas que não têm, de verdade, coragem para sair às ruas, a não ser que alguém os comande, via televisão a cabo, e tirem alegremente selfies diversos com os mesmos cidadãos que alvejam os olhos do inimigo; a vergonha? Essa, bem, o que dizer? São frutas muito amargas para comer.
       Confrontar medo com versos, combater pancadas com rimas, faz lembrar o dito que aquilo que se escreve para bom entendedor basta. Mas são nos versos que se escondem a palavra mal-dita que afronta o torturador. O poeta bate com versos o anverso do torturador que bate por não compreender, e rebate se compreender, sabendo que nada pode calar o poeta cujo verso já lançou no vento.
       Mas sempre existirão os poetas, de prosa ou verso, que largam a zona de conforto, alvos de ovadas lançadas pelas sacadas de pessoas de bem, e de mãos espalmadas e gritos bem altos, com um olho no caminho, outro no cassetete, sempre acreditarão nos seus sonhos, porque não têm vergonha de dizer que não existe verso que não se possa escrever.

Origem da foto: Foto de Toby Elliott na Unsplash

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Nilson Lattari

Nilson Lattari é carioca, escritor, graduado em Literatura pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e com especialização em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Gosta de escrever, principalmente, crônicas e artigos sobre comportamentos humanos, políticos ou sociais. É detentor de vários prêmios em Literatura

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