Opiniões

A grandeza do discurso

A GRANDEZA DO DISCURSO

     É preciso saber lutar, mas sempre com grandeza.
     Como podemos ir à luta, com suas nuances de baixo nível, com os golpes que nem sempre são recomendados, como se a luta – e estamos falando da luta social, do embate político na busca pelo poder – fosse algo organizado e fatiado como os lutadores de MMA com seus postos de descanso, os gongos salvadores na quase finalização do combate?
     Os mais fortes, poderosos, de mais posses, os mais fracos, sem poder político, inferiores economicamente, lutam para sobreviver tanto pela manutenção do poder que detém, quanto pela possibilidade de alcançar um nível melhor, que seja da melhor dignidade, do melhor serviço, de melhor se sentir como pertencente a uma mesma sociedade.
     Para os amigos os benefícios da lei, para os inimigos nem a lei.
     De quem é o discurso da grandeza? O que é isso? Existe? Dicionarizada, a palavra tem conotações de valores, mas quais valores? Tem condições de respeito ao outro, mas, e quando o outro, seja ele quem for, invade o espaço do um?
     Lutar é um atributo do ser humano, pela sobrevivência quanto pela tomada de valores materiais do outro. A luta é importante, e como luta não comporta floreios de galanteria. Somente a grandeza é exigida pelos mais fortes, econômica ou fisicamente. O termo assim se desgasta, não só pelo tempo, mas pelo mau uso.
     Com eles vem o “vestir a camisa”, lutar pela equipe, e outros motes que apenas visam a manter a luta bem distante daqueles que ganham com a própria luta. Os lutadores de MMA dão o seu corpo, sangue, mas, na verdade, o seu envolvimento corporal é apenas a ponta do iceberg daqueles que patrocinam o evento.
     Chamar à luta com grandeza é um digno passaporte para a derrota. É um chamado bonito, bem apresentado, esteticamente organizado, mas que, na verdade, não beneficia os lutadores, pelo menos àqueles que estarão fadados à derrota, ou então serve como consolo aos futuros derrotados, aqueles que dão o seu corpo para o embate, apenas acreditando que vale a boa luta.
     É preciso saber lutar, a grandeza deve-se guardar para comemorar a vitória, sem humilhar os derrotados, mas garantir que eles não entrem mais no ringue.
     O importante é competir. Mas, mais importante é ganhar. A luta é o momento vital para a mudança. Não se espera de ninguém atitudes de grandeza quando a luta envolve os interesses da sobrevivência, ou do esgarçamento da decência. E ser decente é não criar motivos para a luta e assim não encontrar motivos para engrandecer uma luta perdida como uma aceitação de que a derrota faz parte do cotidiano, algo esperado, que deva ser guardado com muito carinho, apesar do olho roxo e a barriga vazia e cheia de desgosto.
     Pessoas foram às ruas protestando que não era pelos vinte centavos da passagem. A grandeza estava em ser grande a indignação, que rapidamente foi captada pelos políticos atendendo algumas das reinvindicações. Não havia nenhuma grandeza naquela luta, a não ser a própria virtude do querer participar de algum modo na vida política do país. A grandeza estava em ser grande, como quantidade de pessoas, cartazes feitos nas próprias casas, exigindo a não politização do movimento.
     Souberam lutar e simplesmente ignoraram a grandeza. Se assim fosse estariam pacientemente andando pelas ruas em um surdo movimento de protesto, como se isso fosse suficiente para modificar a vontade dos políticos.
     Neles se infiltraram outros que patrocinaram eventos que demonizaram o movimento. Era a forma de eles lutarem, válidas ou não, assustadoras ou não. Alguns poderiam dizer que ali, a grandeza do movimento se encerrou. Pode ser.
     Mas, na verdade, não havia ninguém preocupado com grandeza no movimento, apenas querendo mudanças, e que elas fossem grandes, na verdadeira grandeza que um movimento desses exige quando decide ir para as ruas. A grandeza, aqueles que eram o objeto da manifestação é que exigiam, como uma maneira de controlar a luta.

Nilson Lattari

Nilson Lattari é carioca, escritor, graduado em Literatura pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e com especialização em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Gosta de escrever, principalmente, crônicas e artigos sobre comportamentos humanos, políticos ou sociais. É detentor de vários prêmios em Literatura