Crônicas

Vida de amantes

        O primeiro pensamento que me vem à cabeça quando tento imaginar o significado de amante é de algo amarrado, ligado como se de laços de ternura fosse, de enfrentamento, porque mesmo dois inimigos têm um laço que os une, que seja o ódio, e estão ligados para sempre, mesmo amando não um ao outro, mas amando a própria forma de odiar.
       Amantes têm suas lógicas e parecem estar esquecidos do universo, alheios às pessoas que passam, imunes àquilo que elas dizem, confessionários um do outro. Dizendo as mesmas coisas que os amantes dizem para cada um. Lugar comum dos poetas, dos artistas, dos saltimbancos. Mesmo dos mais simples dos amantes aos mais requintados e elegantes se dizem as mesmas coisas.
      São contidos, tímidos, envergonhados. Se olham e olham quem passa, passantes ciumentos dos seus dizeres e atos. Podem ser também alvoroçados, desinibidos, desavergonhados, e pouco se importando o que deles pensam, os invejosos das suas vidas, amorosamente, desregradas. Eles são tudo, desde uma ceia completa, com todos os direitos nos fazeres e dizeres, ao desjejum do comer, entregues apenas aos beijos que esbanjam em profusão.
        São sóbrios, escondidos quando têm algo a esconder, a viver de escaramuças, de arquitetar esconderijos, de produzir mentiras, mas, podem, simplesmente, se entregar ao desbunde, entregar-se à vida, como se pudessem ser o rio que corre, célere, bordejante. Ou se esconderem no mato escuro, intrigante, tendo apenas o céu como testemunha. São o lago e a correnteza fugindo, sorrindo, sempre cada um no seu lado, certos de que a vida somente é uma e aproveitá-la é uma obrigação para o próprio viver.
        Amantes são personagens de histórias, de contos de fadas, de encher a imaginação de pensamentos permissivos. Até nos permitimos amar quem não nos ama, quem não nos conhece, como se a própria imaginação fosse mais forte que o real, nascendo nos recônditos das lembranças os amores que poderiam ter sido.
         Somos prisioneiros de uma mesma força de amar, sem imaginar que, muitas vezes, aquele ou aquela que amamos em segredo atuem no palco de nossas lembranças e podem, quem sabe, ter os mesmos pensamentos sobre nós e levá-los longe, tão longe, mas que nunca eles se encontrarão.
         Amantes são tudo e são nada. Se amam e se encontram ou se perdem no imaginário das sombras e se transformam em vazios. Amantes são os rumores correndo à solta, amar é viver sem rédeas e sem tréguas.

Fonte da foto: Photo by Federica Giusti on Unsplash 

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Nilson Lattari

Nilson Lattari é carioca, escritor, graduado em Literatura pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e com especialização em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Gosta de escrever, principalmente, crônicas e artigos sobre comportamentos humanos, políticos ou sociais. É detentor de vários prêmios em Literatura

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