Crônicas

O que somos capazes de fazer

          Nos filmes de faroeste, normalmente o pistoleiro faz marcas nas coronhas das armas enumerando as vítimas. Foi uma contagem fúnebre, encadeando as mortes como quem faz compras no supermercado. Um operador financeiro compra e vende ações e títulos e contabiliza no final do dia as suas perdas e ganhos. Assim como os agentes econômicos medem a sua capacidade de realização a partir do lucro que apuram no final do mês. Somos, portanto, desde tempos idos, capazes de fazer muitas coisas e as contabilizamos para saber onde estamos para poder galgar o degrau seguinte.
         Medir nossas capacidades a partir do lucro que temos não chega a ser um grande mérito. Nesse caso, não mais a fama buscada através de mortes. Se somos capazes e temos a vontade de realizar coisas, entrar em uma aventura, a aventura em si e o plano estratégico que traçamos são as principais referências, os troféus que devemos ter.
          Algumas vezes nos sentimos capazes de realizar alguma coisa e não a fazemos, simplesmente, porque ela não pode ser medida pela contabilização monetária que tornará visível nosso sucesso ou insucesso. Na maioria das vezes, nos tornamos capazes de realizar coisas e a abandonamos em razão de ela não ser mensurada pelo dinheiro.
         Se colocamos o ganho monetário como nosso objetivo final, nossa capacidade não está reconhecida pelo trabalho em si, mas vista com bons olhos pelo dinheiro. Logo, a capacidade está no produto final: o lucro, o ganho. E a nossa capacidade de fazer algo de bom e relevante, senão para nós mesmos por que não para a coletividade? Quantas capacidades se perdem pelo mundo porque abandonaram sua real vocação para voltar-se, simplesmente, em tornar aquela atividade ou outra atividade que está abaixo da nossa capacidade em uma máquina de fazer dinheiro?
          Se somos capazes de realizar alguma coisa e não a fazemos porque não dá dinheiro, é um meio de caminho para a infelicidade. Infelicidade é a não realização dos nossos desejos, mas também a capacidade de romper com laços e abraçar sonhos. E sonhos são medidos pela capacidade que temos de fazer. Se a reprimimos nos tornamos infelizes. Quantos seres humanos pelo mundo deixaram de realizar seus desejos em troca de vida confortável? Sufocar nossa capacidade de fazer, difícil, posso dizer, diante do que o mundo material oferece, é a razão da infelicidade. Ninguém pode ser feliz sozinho, apegado a sua capacidade de fazer. Porque o reconhecimento faz parte disso. Logo, a capacidade é uma mão dupla, que transita entre dois lados opostos. Seria maravilhoso se medíssemos nossa capacidade pela quantidade de sorrisos e agradecimentos que recebemos. Sorrisos e gritos de satisfação não podem ser medidos por um câmbio qualquer.
          Infelizmente, não vivemos em um mundo assim. E nos privamos de sorrisos e gritos de satisfação. O dinheiro estraga tudo. Estraga até mesmo a capacidade do próprio dinheiro de servir de trampolim para sorrisos e gritos de satisfação.
          Em suma, quando provamos nossa capacidade não devemos ficar contando essa capacidade como o pistoleiro que marca as vítimas na coronha. Simplesmente, fazemos e a vida segue o curso. É difícil, mas como isso seria bom para todos.

Origem da foto: Foto de Austin Kehmeier na Unsplash

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Nilson Lattari

Nilson Lattari é carioca, escritor, graduado em Literatura pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e com especialização em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Gosta de escrever, principalmente, crônicas e artigos sobre comportamentos humanos, políticos ou sociais. É detentor de vários prêmios em Literatura

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