Crônicas

Quarentena e paciência

      Paciência é uma palavra, que me perdoem os pacientes, somente empregada na perda. Sua origem tem a ver com resistência, resignação, submissão e tem uma relação com o paciente, aquele que sofre, que sente uma ação sobre ele.
        Ouço, e é comum ouvir, que perdemos a paciência por algum motivo. Resultado de uma espera longa e vai dai que o paciente, aquele que perde a dita cuja chuta o balde e sai por aí blasfemando contra o mundo.
       Estar em uma quarentena, trancado por quase meio ano, exige, com certeza, uma dose de paciência. E aí entramos em outra questão sobre a dose. Qual a dose recomendável para a paciência da gente? Isso deve ser uma coisa individual, porque as pessoas são diferentes, e a dose deve ser ministrada nos mínimos detalhes, individualizada, para que o paciente não morra de tédio ou seja lá do que for. 
       Também nunca ouvi falar em ganhar a paciência. Como seria? Se para não perdê-la é necessário tomar uma dose, e, portanto, o que fazer para ganhar? Vai que a dose é grande, enche a paciência, e…
       Bem, o paciente, presumivelmente, tem uma doença e algum medicamento é administrado para ganhar alguma coisa, que seria a cura. Ele não perdeu a paciência e foi paciente, logo o segredo é sempre termos a paciência dentro de nós. Então, ser paciente é uma virtude. Sendo o paciente aquele que padece, temos um jogo de palavras que faz qualquer um perder a … paciência.
        Voltamos à questão da paciência que se perde, e a dose de paciência que seria suficiente para manter o paciente… paciente.
        Bem, a respeito de que falamos então? Quarentena e paciência. Haja paciência para aguentar tanto tempo. Dá saudade da gente, né minha filha!
       Esses tempos parecem teste para não perdermos a paciência e voltarmos ao que éramos: pacientes de outros tempos. Existe uma certa dose de paciência em relação ao futuro. Não existe vida sem futuro. Não existe vida sem sonhos. Não existe vida como se não houvesse amanhã. Não existe paciência que ature isso, com submissão e resignação.
        Vida é tempo. E o tempo não para e  não tem a menor paciência e necessidade de esperar por alguém. Não perder a paciência é o ganho. Ser resiliente contra o tempo, sabendo que perdemos alguma coisa, tentamos não perder outra: o poder de continuar a nossa vida em frente. Alguns perderam a paciência e jogaram a toalha, outros estão com a sua dose sendo administrada com paciência, na espera.
      A vida, então, é formada entre os pacientes e os impacientes. E, no final, quem ganha a história, quem ganha o jogo? É uma luta entre dois grupos e o tempo. E o tempo é invencível. Resta saber se a dose de paciência não deveria ser repartida entre os dois grupos, contra o tempo.
       É difícil ganhar resiliência, resignação vendo o tempo passar e se esvair. Tempo não se recupera, e muito menos vida. Falta pouco, tudo passa, a vida continua são as palavras que chegam, devidamente dosadas para administrar a nossa paciência.
        Vamos torcer e ser pacientes, vai passar. Porque paciência mesmo é ouvir e ler coisa ruim, mentiras, falsos discursos moralistas e tomar uma dose de paciência para não chutar o balde, o pau da barraca, rodar a baiana, dar no saco e vamos amolar a paciência para depois da quarentena.

Fonte da foto: Photo by Iva Rajović on Unsplash

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Nilson Lattari

Nilson Lattari é carioca, escritor, graduado em Literatura pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e com especialização em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Gosta de escrever, principalmente, crônicas e artigos sobre comportamentos humanos, políticos ou sociais. É detentor de vários prêmios em Literatura

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