Crônicas

E Marília se foi

        Quando morre um artista, celebridade, como dizemos em tempos pós-modernos, cantor, cantora, atriz, ator, pensador, alguém que influenciou nossas vidas, em determinado instante nos aproximou de um grande amor, ao dançar uma música ou ao som dela, no convite para assistir um filme, uma peça de teatro, beijos se deram, pela primeira vez, pela última vez, nós morremos um pouquinho também.
        Artistas são seres especiais que parecem eternos, e, de certa forma, eles se eternizam quando aparecem sempre jovens, modernos, bonitos, ou então, no caso de pensadores, pensando na frente de nós o tempo em que vivemos, colocando palavras em nossas bocas, incapazes que nós fomos de interpreta-los na própria época.
       Escrevo isso por causa de Marília Pera. Apesar de em tempos de Collor ela defender aquele momento em que nossos pensamentos eram diversos, não conseguia enxergar decepção nela, apenas perplexidade, aquela perplexidade de descobrir que a Marília tinha pensamento próprio, era uma pessoa, era mais alguém além das personagens que interpretava na televisão ou cinema, da Serafina de Uma rosa com amor até a atriz principal e magistral em Pixote.
        Não sei se por ser a Marília que não compunha com Dirceu ou a Pera, os objetos de desejo, mas era, com tudo isso, um conjunto harmônico que conseguia ir da tristeza do choro da atriz até o dançar leve da bailarina.
       Marília levou um pouco de mim com ela. Levou meu passado com ela e parece que ele se desmoronou um pouquinho. Foi com ela que assisti, servida com Pato com laranja uma peça de teatro, com a namorada desejada, confesso um pouco parecida com ela, por azar sem o mesmo nome. E foi para ela que eu a apresentei, sem que ela se desse conta disso. Até porque não importava, mesmo que o meu olhar dissesse: “Olha, Marília, eu tenho uma marília também!”.
        O que as duas tinham de semelhantes? Sem dúvida, a elegância, um jeito de olhar e falar, e mexer com as mãos. Aquela marília se foi, mas a Marília eu continuei a acompanhar a trajetória.
        Nunca a conheci de perto, mas o som de seu andar no palco era suficiente, vê-la ao vivo, agora, não mais.
        Tchau, Marília, fique em paz.

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Nilson Lattari

Nilson Lattari é carioca, escritor, graduado em Literatura pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e com especialização em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Gosta de escrever, principalmente, crônicas e artigos sobre comportamentos humanos, políticos ou sociais. É detentor de vários prêmios em Literatura

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