Crônicas

Cinquentão ou cinquentinha

        Quando abri a janela e, finalmente, pude olhar para a rua como um aposentado, me dei conta de que já contava com cinquenta anos. Não entendo o emblemático dos cinquenta anos como sendo a meia idade. Afinal, metade do quê? É incrível a pretensão do ser humano em estabelecer a meia idade e considerar que a vida irá até os 100 anos! Mas considerando que cinquenta por cento é um belo desconto, sendo a metade, tudo bem.
        Dizem que começamos a envelhecer quando contraímos cinco problemas crônicos de saúde. Ao me aproximar dos cinquenta fui notando e contando aqueles que se agregaram em mim. Quando entre mim e a tela do computador começaram a aparecer alguns sinais que não faziam parte da planilha, descobri que algumas moscas volantes teimavam em se confundir com os símbolos do computador e percebi que já era hora de parar.
        Mas eu comecei a entender os cinquenta anos como um paradoxo. As promoções no trabalho começaram a rarear, afinal eu era aquele que de uma hora para outra poderia resolver ir embora, apesar da experiência!!!??? Na festa de despedida, entre tapinhas e sorrisos, palavras de conforto como: Você está muito novo! Não pode parar de trabalhar! Como? Afinal, eu pensava, eu tinha um trabalho e gostava dele! Somente as promoções não gostavam de mim.
         Pude atender à primeira convocação de condomínio. Pela primeira vez comparecia e lá estava antes do horário marcado. O senhor por aqui? O que houve? Com um sorriso no semblante eu declarava que estava aposentado. Imediatamente, surge o inesperado: Temos um aposentado e, portanto, um bom candidato a síndico!
        Não que eu implicasse com a douta função. Mas a considerei provocativa. Na minha cabeça surgiu a imagem do sujeito a vigiar o porteiro, jardineiro… não, definitivamente, não era a minha praia. A minha praia era outra e era real. À medida que chegavam outros condôminos a minha mente trabalhava. Uma das belas virtudes de chegar aos cinquenta anos é a convivência com o pecado. Quando somos jovens, os pecados têm outra dimensão. Crianças, vemos nos pecados o muro de limitação entre o rubor das faces e umas belas palmadas. Quando jovens, os cometemos conscientes, e os encobrimos. Na fase mais adulta é um fator de negociação. É o que se diria “expertise”, nos meios financeiros. Mas aos cinquenta anos temos uma total intimidade com os ditos, que a sua administração se torna um pouco mais fascinante.
        “Seu Alberto! Então temos um aposentado no prédio!”
        “Uma bela sugestão para cumprir o mandato de síndico”, respondeu o outro.
        A resposta se apresentou rápida na cabeça, aproveitando o motivo dado por outro vizinho.                      “Aposentou tão novo, por que isso?”
        “Fraude.” – disse eu.
        A minha resposta provocou um silêncio na sala. Ao notar o impacto da notícia, creio ter calado toda a diminuta assembleia.
         “Essas coisas de política, CPIs, mas tudo ficou bem em troca de uma boa aposentadoria.”
        Poderia pensar você que eu teria sido drástico. Mas também não me sentia confortável com a má impressão que causa uma aposentadoria, mesmo aos cinquenta anos. Não, não me senti um mentiroso – essa a questão do trato com o pecado. Isso a gente só atinge com o tempo.
        Aliás, por falar em tempo, uma boa questão. Quando jovens nos sentimos eternos, este é o ponto principal. Sempre colecionando novos amigos, um ficar constante nos amores. Mas para um ser humano de meia idade, vá lá, o importante é um voltar no tempo. Depois de passarmos a vida conhecendo bons e maus amigos, a tendência é querer só os bons, afinal, já os conhecemos. O importante seria voltar no tempo, se fosse possível, e consertar as bobagens, dar um rumo diferente com as mesmas pessoas, não falar aquilo que foi desnecessário e magoou sem necessidade e acrescentar algumas palavras para aqueles os quais, nitidamente, faltaram.
       Ser cinquentão ou cinquentinha, o que importa? Não podemos cair em algum tipo de contrassenso. Nem cinquentona. Apenas, o tempo que passa.
        Ficamos mais silenciosos. Tentamos ouvir mais, os barulhos dos pré cinquentas incomodam, não no sentido de que o barulho que fazem pareça incomodar, mas queremos ouvir mais, apreender cada detalhe, e não deixar a vida passar tão rápida. Queremos continuar a ouvir, dessa vez mais amiúde, com o solo e o acompanhamento.
        É nesse momento que ouvimos os clássicos, mas dançamos o rock, a valsa, o forró. É um momento da vida em que tudo é bom, o antigo, o atual e, claro, o futuro também. Aprender coisas novas é a prova incontestável de que não estamos na metade. Queremos mais!
        Ficamos mais atentos, ou desatentos, dependendo das coisas que nos pareçam mais importantes ou não. Aprendemos a separar o joio do trigo, de acordo com as circunstâncias e os interesses. Queremos que as coisas de gente velha fiquem para as outras gerações, mais à frente em anos. Até porque quando nos preparamos para quando o futuro chegar, continuamos ainda um pouco atrás, e criamos a quinta idade.
      Estudamos mais, relemos as leituras de outra forma, entendemos os escritores porque mais maduros, próximos aos cinquenta eles se tornam mais íntimos. Não! Nada de voltar no tempo, a ficção não faz mais parte do nosso universo. Compreendemos que voltar no tempo não implica necessariamente em refazer a vida, mas simplesmente viver a vida de outra forma, porque se mudarmos o fluxo da corrente, como num efeito borboleta modificaremos nosso futuro, porque outros futuros se entrelaçariam.
       A oportunidade muda de sentido. O sentido é que gera as oportunidades. Nós sentimos mais porque já experimentamos quase de tudo. E cada oportunidade que aparece é o experimento de um novo sentido.
       Quanto à reunião de condomínio, desfiz tudo com um belo sorriso. Mas declinei do convite. Esse tipo de trabalho é para jovens, dinâmicos, empreendedores, não é mesmo?

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Nilson Lattari

Nilson Lattari é carioca, escritor, graduado em Literatura pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e com especialização em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Gosta de escrever, principalmente, crônicas e artigos sobre comportamentos humanos, políticos ou sociais. É detentor de vários prêmios em Literatura

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