Opiniões

Afinal, o que é elite?

AFINAL, O QUE É ELITE?

     Não. Não vou recorrer às palavras dicionarizadas. Elas estão desmoralizadas, desculpem a rima, essa coisa de poeta que eu trago dentro de mim, até porque tem valor o que se diz, hoje em dia, e o significado da palavra é irrelevante; em alguns casos dá até processo judicial.
     Elite. Vamos lá. Normalmente, o senso comum atribui à elite uma parcela da população endinheirada, que vive na opulência. Então, para a classe média, a elite seriam os ricos; para os mais pobres a classe média, aquilo que está imediatamente superior a eles, ou seja, o vizinho que tem a casa própria, filhos na escola particular (um bando de mauricinhos) e um ou dois carros na garagem.
     Criticado pelos colunistas conservadores, Lula, muitas vezes, ao acusar as zelites, também sofre por ter se associado a elas, ou mesmo enriquecido, logo é um elitista que critica a si mesmo.
     Será mesmo?
     O que um sujeito rico teria contra o amparo social do mais pobre? Nada! Da mesma forma, um classe média o que teria de contrário ao amparo? A rigor, nada. Até porque o amparo social, uma boa escola pública traria para as ruas um número menor de sujeitos prontos para assaltar, matar, etc, enfim paz social ou regulada em um mínimo possível para se viver, andar, enfim, viver a vida.
     Portanto, criticar alguém mais rico, até porque em sua grande parte, a riqueza veio do trabalho, de uma oportunidade onde um conhecimento foi colocado ou, dentro da perspectiva capitalista, a César o que é de César, é, no mínimo, uma injustiça. Existem pessoas ricas que pregam a pena de morte, que o emprego é o melhor remédio, claro, assim como existem aquelas que sabem que o mundo não é dividido igualitariamente. Ele é injusto. Alguns nascem sob o amparo de uma família estruturada, outros não têm isso. Alguns, pelo primeiro motivo, podem prever um futuro para os filhos de vinte anos, desde a escola fundamental; e para os segundos, a perspectiva se resume àquilo que vai almoçar, porque quando acorda para o novo dia o café da manhã já foi pro saco. Então, é uma luta de filhos que têm perspectivas longas e aqueles cuja perspectiva se resume a algumas horas.
     Mas, mesmo assim, alguns “vencedores” no mundo capitalista alegam ter vindo de uma família humilde, e pregam que o mérito de cada um é vencer por conta própria. E vencem, muitas vezes incorporando o discurso da tal elite aonde quero chegar, e os outros têm uma visão mais realista de saber que as oportunidades, principalmente no nascimento, não são, definitivamente, igualitárias. É como se a vida fosse uma roleta russa genética (alguns mais inteligentes outros não), ou uma roleta russa determinada pela cegonha.
     Mas, e a tal elite?
     Lendo a História do Brasil (e recomendaria ler um livro sobre a História do Brasil a cada dois anos, como uma reciclagem), é fácil perceber o domínio por uma parte da população, latifundiários no passado, industriais que vivem dos benefícios do Estado no presente, e, também no presente, uma indústria de propaganda ancorada nos proprietários de grandes meios de informação, que defendem um modelo de governo que lhes favoreça, que mantenha o seu domínio.
     Eles não se importam com o amparo social? Sim, claro, mas mão de obra barata é o lucro deles, e nada como uma informação bem colocada, ou uma campanha de desinformação e descrédito contra governos populares para manter a população em um percentual de pobres e ignorantes.
     Portanto, a elite é esse conjunto de capital mais informação para manter o domínio sobre o todo. Até porque, um governo popular, legitimamente eleito, que tenta desfazer a curva que leva o capital do Estado para bolsos privilegiados, vai quebrar a espinha dorsal dessa elite que mantém a dominação através do poder econômico.
     Um país que enfrentou uma série de revoltas populares, sufocadas por forças militares de repressão assassina, não é necessariamente pacífico e cortês, como a propaganda tenta nos iludir. Lendo a História do Brasil, a informação é outra. A elite é, antes de mais nada, a vanguarda do atraso. E, em tempos de internet, que permite que uma pessoa comum como eu possa externar seus pensamentos, competindo de igual para igual com os leitores das grandes mídias é um fazedor de corações e mentes, desmascarando a tal pacificidade da população. E a elite, essa tal elite, treme.
     Momentaneamente, é autista o suficiente para continuar com a mesmice da manipulação de palavras, como se a internet não existisse, que é um mundo virtual a que poucos têm acesso. É Dâmocles se banqueteando tendo a espada sobre a cabeça, apenas presa por um fio de um rabo de cavalo.

Nilson Lattari

Nilson Lattari é carioca, escritor, graduado em Literatura pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e com especialização em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Gosta de escrever, principalmente, crônicas e artigos sobre comportamentos humanos, políticos ou sociais. É detentor de vários prêmios em Literatura