Crônicas

A imprevisibilidade da deusa

          De repente, não mais do que de repente, estava eu ali, em cima daquela mulher que tanto queria e o meu ato se consumou muito antes do que eu esperava. Aliás, uma das preocupações masculinas é o ato de falhar, ou pelo menos concluir antes do término da partida em seus minutos regulamentares (possivelmente horas, mas isso está restrito aos praticantes da hora extra, ou dos minutos de prorrogação, alguns craques privilegiados), uma partida a dois, cuja performance poderá garantir outros feitos memoráveis.
        Na mente, em questão de segundos, vem o verbo f… no tempo passado, porque também são passadas as expectativas, o passo-a-passo repetido tantas vezes, as recomendações dos amigos, o não sofrimento das gozações dos amigos, os relatos de atos falhos e irrecuperáveis. Ou seja, o verbo além de vir em socorro ao combalido não atingiu a plenitude do seu ato representativo de terminar o ato sexual a contendo.
          Naqueles breves segundos, antes da fatídica e convencional: “Isso nunca me aconteceu antes”, o que de certa forma é sempre verdade, porque não aconteceu com aquela criatura que antes vista como uma deusa submissa e condenada a ser amada e que propagandeará a todo pano, ou sem ele, junto às amigas, aquele ser maravilhoso que a teve em seus braços, conversado em conversas de alcova, no meio da sauna, nos banheiros, entre um copo ou outro de cerveja, já de pileque, na mesa feminina de um bar, súbito, é transformada na algoz, na feliz testemunha, ou infeliz, sem o brilho nos olhos e o suspiro de satisfação, numa deusa vingativa que expressa no seu sorriso de lado, uma palavra de conforto, de carinho que seja, mas que revela em sua mensagem subliminar: “Era isso, o que você tinha para mostrar?”.
          Essa maldita ideia de que um relacionamento a dois também pode ser uma competição entre dois seres.
         Da mesma forma que o afogado, que vê sua vida passar diante dos olhos, a frustração imediata é ocupada pelo: “Por que saí de casa, hoje? Teria sido melhor ter visto o jogo de futebol! Ter pego, finalmente, aquele livro que me desafia na cabeceira!”. Mas nada disso importa, naquele momento. A verdade é que alguma coisa acontecera e nada mais seria permitido, além de uma desculpa, o pedido de algum jantar. E implorar, humildemente uma segunda chance, naquele instante, alguns dias depois, com a promessa de uma tarde de repouso, de preferência num sábado, longe, quem sabe do stress de uma semana de trabalho. Ela também trabalhava, saberia isso. Saberia?
         Breves segundos antes do descanso do guerreiro, que imaginava sair da primeira contenda com ares de vitorioso, mas breves segundos antes de um balanço do que acontecera, nas desculpas que poderia dar, na procura desesperada de ajuda, para algo que nunca acontecera antes, mas nunca acontecera justamente diante aquela que imaginara ser a namorada definitiva. Tinha de ser justamente com ela!
       E, de repente, não mais do que de repente, aquela mulher passou a ser a mais importante da vida, uma confusão de pensamentos embaralha a mente. Que importância teria? Um egoísmo aflora. A sua importância seria porque ela seria a vítima do fracasso?
         Aquele corpo adorável se debruça num abraço apaixonado, um beijo dócil no rosto, e a surpresa chega, quando ela diz: “Desculpa não ter esperado você. É que eu queria tanto! Você não pode imaginar o quanto!”. Aquela megera, subitamente repromovida à deusa, desabafa um sorriso apaixonado.
         As mulheres são sempre imprevisíveis. Que bom!

 

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Nilson Lattari

Nilson Lattari é carioca, escritor, graduado em Literatura pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e com especialização em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Gosta de escrever, principalmente, crônicas e artigos sobre comportamentos humanos, políticos ou sociais. É detentor de vários prêmios em Literatura

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