Opiniões

Eles quem, cara pálida?

     O ex-presidente Lula disse em um discurso: “O que eu fico chateado é que eles nunca vão reconhecer que, nunca antes na história deste país, (…)”. Com base nisso, vale uma reflexão.
     As aversões, muitas vezes, vêm camufladas nas palavras, pelos gestos, como o ato de cruzar as mãos, abraçando a si mesmo, em um sinal de defesa contra uma situação incômoda. Aversões são naturais, quando, de alguma forma, nos sentimos atingidos, e, muitas vezes, quando guardamos convicções sobre nossos pensamentos. Arraigados que ficamos diante do intruso que vem nos dar explicações, algumas vezes, válidas, outras não, mas, de alguma forma pode se configurar numa alteração dos nossos hábitos que são autoexplicativos, porque familiares. Consequentemente, o intruso, tratamos como o subversivo, encrenqueiro, etc, e, na maioria das vezes, como o “eles”.
     Nos discursos políticos, principalmente, o “eles” teria uma visão diferente, um olhar que está além da aversão, do inimigo, mas as ideologias e práticas que vão de encontro às nossas. Mas, a linguagem deveria ser mais contundente e afirmativa e não vaga e difusa, deixando entrelinhas a serem percebidas pelo público, como uma espécie de código entre iniciados.
     Nos debates, mesmo nas crônicas políticas, e no campo político, onde as ideologias estão arraigadas, algumas pessoas se sentem em zona de conforto, e qualquer mudança pode alterar, desestabilizar as convicções, e o pronome toma ares de outros prismas.
     O “eles” significa os adversários, os inimigos a serem combatidos. E, como todo inimigo, principalmente no campo ideológico, que faz perguntas sem sentido como: “Por que tem de ser assim?”, “E se experimentássemos isso?”, “No país tal, a postura é diferente.” e “O seu partido é corrupto.”, o “eles” são aqueles que podem nos desestabilizar, ou desestabilizar alguém.
     Por que a dificuldade de nominar, no caso da esquerda no Brasil, que teima em colocar rótulos nos adversários e não atribuir nomes.
     O “eles” se torna uma figura ficcional, abstrata, ou abstraída porque não se quer atrair mais fogo. É medo? É respeito? É a visão da casa-grande, o ponto de vista da senzala? Alguém postado acima de nós, lá longe, distante, inalcançável?
     Seria importante acabarmos com essa visão distorcida do adversário, de tê-lo numa espécie de pedestal, conservá-lo no distanciamento. Causaria mais respeito se nomes fossem dados aos bois. Os inimigos do avanço social do Brasil são as famílias ricas encasteladas nos meios de comunicação e na classe média que pensa como rica fosse, representados também em figuras debochadas, revelando sem pudor sua ignorância política ou teatralizando personagens que são vendidos aos seus fãs. Afinal, o que seria delas a mudança da situação social do país? Para os mais ricos, cuja riqueza depende das benesses do Estado seria terrível. Para a classe média, o que representaria um país com menos pobreza e mais educação?
     O caos vende muito. Recalcitrantes quanto à presença do Estado na economia, pregam o tal estado mínimo, e não explicam o que seria o estado mínimo no país continental e com diferenças geográficas, habitacionais gritantes.
      Defendem um estado mínimo, desde que suas verbas sejam ancoradas nas tetas estatais.
     É melhor dar nome aos bois, e isso tem de partir dos políticos que se sentem prejudicados, e nos representam. Não é colocando esses opositores na lonjura que vamos resolver nossos problemas. O povo sabe, não é segredo. Os blogs independentes dizem à plena boca quem são eles, os grandes jornais e meios de comunicação, o mesmo problema que afeta nosso vizinho, a Argentina, e afeta outros.
     Usa-se o termo bolivarianismo, com temor de acontecer o mesmo que na Venezuela, cujas notícias nos chegam filtradas, existe dentro do nosso subconsciente que a presença de jornalões e periódicos (O Globo, Estadão, Folha, Abril, principalmente) seja importante para nossas vidas. Muitos experimentam viver ausente desses seres, e nada acontece, a vida continua. Ou então, os comunistas, transformadores do Brasil em Cuba. E o outro lado, ditadores, conservadores, direitistas.
     Vamos dar nome aos bois, definir quem não concorda com a maioria que elegeu a presidenta. Ela mesma já declarou que não dá entrevistas para determinados periódicos. E com a internet ela continua sendo ouvida. Para aqueles que não concordam com ela, os derrotados nas urnas, continuarão lendo aqueles órgãos, independente de quem esteja no governo. Então, nada muda. Portanto, vamos dar nome aos bois, caras-pálidas!

Nilson Lattari

Nilson Lattari é carioca, escritor, graduado em Literatura pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e com especialização em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Gosta de escrever, principalmente, crônicas e artigos sobre comportamentos humanos, políticos ou sociais. É detentor de vários prêmios em Literatura