Crônicas

Sobre a nossa humanidade

        O que poderia resumir a nossa humanidade? O que poderia defini-la? Não vou entrar nos conceitos antropológicos, sociológicos que poderão, cientificamente, definir e conceituar o termo. Gostaria de me referir a um sentimento chamado humanidade.
        Quando olho o mundo animal, a primeira coisa que me salta aos olhos é a cadeia alimentar, onde os animais ora são os predadores ora são os caçados, servindo de alimentação para os mais fortes, e se alimentando de outros mais fracos. Ou então aqueles que se alimentam fora do cardápio carnívoro e servem de alimentação para aqueles que os são.
         Quanto a nós, humanos, isso não acontece, em relação aos nossos semelhantes, como ocorre em alguns casos entre os animais. Nos igualamos, no entanto, a eles, neste princípio, mas, no segundo nos diferenciamos. O ser humano é o único animal que mata por vontade e por prazer. E, socialmente, pratica um outro tipo de atitude predatória, semelhante a uma cadeia alimentar entre semelhantes: a competição no mercado de trabalho, na luta pela sobrevivência em busca do dinheiro e do poder. Criamos homens-lobos, mulheres-leoas, ávidos nessa busca, muitas vezes praticando o cinismo, a mentira e a falta de ética, que se traduz na “expertise”, ou na adoção de uma meritocracia restrita a uns poucos eleitos por várias razões sociais, dentre elas a pura sorte.
         Portanto, seríamos humanos e diferentes dos animais, por essa atitude animalesca que praticamos contra nossos semelhantes? Acredito que não seja essa diferença perversa que nos faz humanos, mas desumanos.
           Essa atitude de agressividade nos aproxima dos animais e nos torna menos humanos.
          Então, o que poderia ser essa característica que faz a humanidade existir? Arriscaria dizer que seria o contrário dessa atitude que nos iguala. A nossa humanidade vem da própria dúvida e da consciência sobre nós mesmos.
          Essa dúvida é o freio que limita a exacerbação da nossa violência. Para alguns é a religião que contém uma boa parte da nossa agressividade. A ciência busca analisar os fatos e os processos da natureza, enquanto a religião tem como objetivo entender a natureza em relação à vontade de Deus.
        Vivemos entre duas incógnitas, vivemos entre dois nadas. Esses são os limites da nossa agressividade. O que nos torna humano é a dúvida. A ciência não consegue explicar o além da natureza. Se batemos os pés no chão e sentimos o piso de madeira, sabemos que ela vem de uma árvore, que nasce de uma semente, que veio de uma fruta, que por sua vez veio de outra árvore. Isso a ciência explica, o processo.            A razão do ciclo existir vem da vontade de Deus, diz a religião.
        Portanto, somos um ciclo da existência. Enquanto existimos enfrentamos e fazemos tempestades, explicamos as tempestades, aprendemos a enfrentá-las. Porém o ciclo da vida é de natureza desconhecida. Se soubéssemos a resposta que está no nada seríamos completamente diferentes e totalmente humanos ou desumanos. Nossas atitudes como seres humanos se alterariam, descobrindo que existe algo além de nós, ou simplesmente que nada existiria. Essa dúvida é que nos torna humanos e contidos, o que nos torna desumanos é a existência daqueles que têm alguma certeza, mesmo sem base científica. Os que acreditam se entregam à religião e nas mãos dos profetas de ocasião, para os que não acreditam o mundo pode ser apenas uma festa para se divertir e escravizar o outro.
          A dúvida ainda é a nossa esperança de ter um mundo melhor, mais humano.

Fonte da foto: https://morguefile.com/creative/Teacake
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Nilson Lattari

Nilson Lattari é carioca, escritor, graduado em Literatura pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e com especialização em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Gosta de escrever, principalmente, crônicas e artigos sobre comportamentos humanos, políticos ou sociais. É detentor de vários prêmios em Literatura

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