Crônicas

O ser e o parecer

       As aparências enganam. E como isso é profícuo hoje em dia. O parecer toma ares de poder e consegue convencer pessoas de uma realidade que não existe. Muitos podem ser colocados nessa bolha de iniquidades. Desde o ateu ao crente, desde o atencioso ao grosseiro, desde o egoísta ao perdulário. Tudo se confunde numa atmosfera de essências que não têm cheiros, sabores ou tatos. É, simplesmente, a ideia de ter que acreditar para que acreditem em nós.
        Parecemos o que não somos, e isso é que é fascinante.
        Por exemplo, quando alguém tem um comportamento gentil, mas não esconde a sua grosseria latente no brilho e no jeito de olhar. Quando alguém diz em alto e bom som que Deus está no comando e tem uma arma em casa, em caso de Deus, quem sabe, cuidando de alguma coisa no final do universo, não chegue a tempo. Não custa dar uma mãozinha pra Ele.
       Quando pessoas de bem e donos de uma moral propagandeada como perfeita não hesitam em conseguir algum documento amigo para resolver uma questão ou, quem sabe, ter furado uma fila de vacina, apesar de ser contrário a ela: coisa de chinês, teoria conspiratória e outras coisas.
       Ser, hoje em dia, não parece ser uma coisa muito saudável. Se somos aqueles que procuram conhecer a fundo a verdade das coisas, com certeza, não seremos uma pessoa bem-vinda, porque afinal, sendo assim, parece ser uma coisa diferente da roda. Logo, por que deveria participar?
       Em alguns momentos, outros têm medo de ser o que desejam, porque serão vítimas da própria sinceridade. Outros parecem não ter medo de ser o que são. Ao final das contas, estar ao lado dos mais agressivos e fortes pressupõe uma proteção para repetir sandices ao infinito.
      Têm aqueles que são de um jeito completamente diferente. Não se enquadram no que são e resolvem comprar brigas, chegando ao ponto de poderem ser espancados nas ruas. E, no entanto, outros parecem ser uma coisa que, no seu íntimo, não é nada daquilo mas têm que parecer porque precisam conservar uma aparência. A ponto de estar ao lado dos que agridem, assim, para parecer o que os outros querem que seja.
       Ser ou parecer, hoje em dia, necessita de uma dose extra de coragem. Deve ser duro tentar ser o que é e enfrentar os outros. Muitos desses outros necessitam de uma dose de coragem para disfarçar o que se é.
       Ser e parecer são irmãos siameses. São corpos que, separados, não são nada. Para os que vivem de aparência é necessário, sempre, colocar os que não vivem em estado de alerta. É a única chance de manter-se na sua falsidade, e mostrar, dentro de paredes, o que realmente se é.
        Até este texto parece ser alguma coisa, e no fundo não é.

Origem da foto: Photo by Intricate Explorer on Unsplash 

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Nilson Lattari

Nilson Lattari é carioca, escritor, graduado em Literatura pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e com especialização em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Gosta de escrever, principalmente, crônicas e artigos sobre comportamentos humanos, políticos ou sociais. É detentor de vários prêmios em Literatura

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