Crônicas

Adrede

       Adrede. Não. Para alguns que pensam em algum tipo de penteado, como dreads, aqueles fios que são colocados nos cabelos, dando-lhes um colorido exótico e visual maravilhoso, não é sobre eles que vou falar. Até porque o visual diz tudo. Essa brasilidade latente, essa vontade de mostrar ao mundo as cores que a gente guarda dentro da gente.
       Adrede, nesse caso da escritura atual, fala sobre aquele movimento, aquela fala que dizemos de propósito, com um propósito, de uma forma antecipada. A origem da palavra é questionável, o que vem muito adrede, nesse caso um propósito que cai muito bem: bem peculiar, esse adrede.
        Muitos discursos que ouvimos e, algumas vezes, deles nos apropriamos, atualmente, têm muito desse adrede. Nenhuma palavra que é dita pelos canais oficiais são colocadas aleatoriamente. Ninguém é tão burro assim, ou então não é possível que existam tantos burros reunidos, como um inconsciente coletivo da burrice que possa disseminar, com tanta galhardia, coisas adrede.
      É tão comum a cara de pau de se falar uma mentira, que fica até chato a gente procurar a verdade. Negacionismo não é só não acreditar na ciência. É não acreditar que alguém vai duvidar de uma mentira. E ela nem precisa ser, diuturnamente, repetida, para se transformar em verdade. Ela é uma espécie de medicina que sai, prontamente, do laboratório, é consumida e o sujeito que a toma não está interessado nos seus efeitos colaterais. Toma adrede porque conforta, e tira a sua responsabilidade de saber se é verdade ou não.
       O uso adrede de expressões e pensamentos têm um propósito; eis uma redundância. Porque a mentira é uma redundância. Eu minto, invento e como encontro retorno continuo mentindo e inventando. Porque dá certo. Vem adrede para satisfazer descontentes, ávidos para preparar o gatilho dos seus dedos, disparando nos grupos de Whatsapp.
       Eu nunca falei o que eu acabei de dizer tem a função de criar um caos. E pobres daqueles que caem na asneira de discutir o irreal! A mentira é adrede para, justamente, criar esses fóruns de discussões que não levam a lugar nenhum, de propósito. Porque, enquanto se dá voltas sobre o nada, no fundo, no fundo, atinge-se o objetivo: o nada.
       Alguns abrem a cabeça dos seus pensamentos e veem aquele deserto de ideias. Portanto, a disseminação do inconsistente vem adrede ocupar esse vazio com outros vazios, com personagens adrede para produzir conteúdos.
        Formamos uma sociedade adrede, porque a ausência da busca do conhecimento obriga muitos adrede a procurar saberes adrede, para não ficar de fora dos debates adrede que pululam nas redes sociais, nem sempre inocentes, mas adrede para garantir audiência e disseminar os… adrede.

Fonte da foto: Photo by Edge2Edge Media on Unsplash
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Nilson Lattari

Nilson Lattari é carioca, escritor, graduado em Literatura pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e com especialização em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Gosta de escrever, principalmente, crônicas e artigos sobre comportamentos humanos, políticos ou sociais. É detentor de vários prêmios em Literatura

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