Crônicas

A canção da alma

       Evora malecante. Acordei, um dia desses, com essa expressão no cérebro e uma espécie de sino, que me pareceu uma buzina de carro estridente, vindo da rua, interrompendo meu sono. Explico: não sei se ao acordar, não sei se depois de sonhar, ou durante o sonho, me veio à mente essa expressão de que falo – evora malecante, seguida de um som de um sino. Não tinha a menor ideia e não tenho, até hoje, meios de encontrar o menor sentido na expressão.
         Por que será que, nos sonhos, ao acordar, ou às vezes caminhando nas ruas, ou vivendo os nossos silêncios, nos vêm à mente algumas imagens, expressões, medos inexplicáveis? Sonhos são premonições, acredito, também, pressentimentos, arrepios na pele. Ou então é melhor dar um credo a tudo isso, por via das dúvidas.
        Com a internet, fui até à Web e perguntei ao Google o que seria aquilo. Não veio nada, coisas desconexas e sem sentido. Apelei então para a troca de palavras, letras – os anagramas. Fiz uma listagem interminável e nada formava uma palavra coerente, ou uma frase. Mas, juntando algumas das combinações eu terminei em VORE AME CAENT; evoluí para VOARE ALEM, VOARE ALMA CAENT, VOAR PARA ALMA; e, finalmente, eu mesmo concluí para VOO DA ALMA QUE CANTA. E depois me veio a pergunta: A alma canta?
          Alma é alma.
       E teria uma voz? Seria a minha voz interna, manifesta através de uma expressão estranha, os tais medos e arrepios na pele, completamente incompreensível, a linguagem dos anjos, uma ligação entre o corpo terreno e o mundo celestial?
        A sensação de dormir é quase de morte. O corpo desacelera, o mundo exterior é esquecido e somos lançados dentro de uma escuridão, e um leve pulsar cerebral, cardíaco nos mantêm em contato com este mundo. Podemos acreditar que, neste instante, nossa alma se encha de leveza, e dos seus compromissos de nos comandar nos labirintos de dúvidas e sentimentos, ela tenha um momento de descanso.
       Nessa hora, talvez, ela fale, conjecture ou mesmo cante. Cante para espantar os males que nós lhe impingimos, males que captamos neste mundo e a alma canta para purgá-los.
        Nunca me perguntei sobre a voz da minha alma, mas poderia sentir que em algum instante ela se distraiu e eu a surpreendi em uma conversa absorta com suas origens. Faria queixas de mim? Do meu comportamento? Pediria algum conforto para o meu dia a dia? Tentaria estabelecer uma comunicação interna para me avisar de algum mal, de algum bem, ou simplesmente me lançou em uma incógnita para que eu me perguntasse e se importasse com a sua existência?
        Ela me lançou um enigma que não pude esclarecer. Mas, só o fato de pesquisar o assunto, inquiri-lo me fez perguntar sobre ela e falar sobre ela. Enfim, depois de tanto tempo, lembrei-me da sua existência. Passei a me importar, não que esteja na busca de descobrir as razões por existir ou para aonde eu vou, e isso me trouxe conforto.
        O conforto da música, de cantar os males espantar. Se voar mal, então cante. Se percorremos um caminho que não seja tão bom, que não nos seja propício, se estamos na busca de algum desejo, poderia minha alma dizer que este poderia ser um mantra.
       Evora malecante – todas as vezes que precisar de um conforto, ter ânimo, afastar algum pensamento que não seja muito bom, ela talvez me tenha deixado esse presente.

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Nilson Lattari

Nilson Lattari é carioca, escritor, graduado em Literatura pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e com especialização em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Gosta de escrever, principalmente, crônicas e artigos sobre comportamentos humanos, políticos ou sociais. É detentor de vários prêmios em Literatura