Contos

Um olhar luminoso

      Entrei com Elza pela primeira vez na casa de meu avô. Ele nem prestou atenção, segundo o que eu pensava. Larguei-a na sala defronte dele, que apoiava as mãos embaixo do rosto e lia o seu jornal.
        Fui até a cozinha e deixei Elza na sala.
        Quando voltei, os dois conversavam animadamente. Fiquei feliz com a conversa deles. Segui logo depois no papo e falavam; vovô, de sua época de namoros, e Elza balbuciava algumas considerações, logo absorvidas pelas lembranças do velho.
        Levei Elza para casa e, quando retornei, vovô ainda estava na sala.
        Tentei dar um boa-noite e ele me deteve com um gesto de dedo e me apontou a poltrona em frente. Sentei, como se esperasse um sermão, qualquer coisa sobre o comportamento de Elza.
        Ele me disse:
        – Feliz daquele que recebe um olhar luminoso de presente.
        – Não entendi!
        – Não entendeu porque ainda é um burro!
     No fundo, no fundo, toda essa pretensa rabugice era apenas um pretexto para contar uma piada, ou coisa parecida.
        Dessa vez não era.
        – Você já viu um olhar luminoso para você?
        Parei pensativo na sua frente e ele continuou.
       – Pois é, disse-me ele, sem deixar que eu pudesse fazer algum comentário, um olhar desses não é para qualquer um.
        Parou para suspirar e apoiou seu rosto na bengala, depositando o jornal na mesinha em frente.
       – Quando um homem ou uma mulher recebe um olhar cheio de luz, dirigido somente para ele ou ela, deve dar graças aos céus porque aqui na terra alguém o admira, alguém o encanta, alguém o venera.
      – E o que o senhor quer dizer com isso – insisti, esperando alguma historinha do seu tempo de rapaz, incrível, segundo ele.
      – Quando você deixou aquela moça aqui na sala e foi para a cozinha, ela olhou na sua direção até que você se afastasse. E o olhar dela era como duas luzes lançadas na sua direção. Ninguém pode passar pela vida assim impunemente. Dê valor ao olhar luminoso que lançam para você. Você é um privilegiado.
        Recostou no sofá e falou como se lembrasse.
       – Os olhos se iluminam, acionam um sorriso. Ele pode ser visto ao longe, na chegada de um encontro, na ânsia da busca por cima das cabeças que teimam em criar um muro entre duas pessoas.
       Continuando.
      – Dê valor ao olhar luminoso que te lançam. Pode ser o início de muitos ou pode ser simplesmente o único que você vai ter durante toda a sua vida.
    Por um motivo qualquer eu e Elza nos distanciamos. Porém nunca esqueci quando ele falou sobre o olhar luminoso dela.
       Ele se foi há muito tempo.
       Procuro novamente esse olhar luminoso, como se buscasse um ente imaginário. Não cheguei a vê-lo em Elza.
      Acho que muitas vezes lancei esse mesmo olhar para outras mulheres. Anseio, até hoje, vê-lo novamente diante de mim, e dar valor a ele.

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Nilson Lattari

Nilson Lattari é carioca, escritor, graduado em Literatura pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e com especialização em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Gosta de escrever, principalmente, crônicas e artigos sobre comportamentos humanos, políticos ou sociais. É detentor de vários prêmios em Literatura

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