Crônicas

Onde está a criação?

        Afinal, qual é a fórmula mágica para que eu seja criativo? Existe uma formulação mágica que faça o meu cérebro explodir em coisas fantásticas que emocionem as pessoas?
         – Não, eu respondi, secamente.
        Meu interlocutor me olhou com uma certa estupefação, como se não acreditasse que eu dissesse isso, logo eu! Mas, quem sou eu? Escrevo, logo se escrevo, sou criativo, tiro coisas do nada, leite de pedra, limo de aço, e por aí vai.
     Tudo bem. Um por cento de criação e noventa e nove de trabalho? Também não. E ele, novamente, esbugalha os olhos e se considera completamente perdido ou a ponto de pular em meu pescoço e, sem o menor sinal de criatividade, reduzir o meu pescoço a algo mínimo, desfigurante, e ganhar, finalmente, a discussão.
         – Calma! Muita calma nessa hora!
         Em sã consciência, pode alguém ensinar a ser criativo? Todos os jogadores de futebol são brilhantes? Todos os advogados? Médicos? Pedreiros? Não!
        Todos são especiais em suas profissões. A escolha do que se faz é que torna a criação, aparentemente com esse nome, o grande diferencial do sujeito. Criar é o mesmo que amar. Uma mãe cria o seu filho e tenta fazer dele o melhor sujeito jamais criado. E ela faz isso porque ama. Porque sente a necessidade dentro dela mesma em transformá-lo, o seu rebento, diferente daquilo que ela foi. Dá-lhe sustento, carinho, atenção, proteção e protege o seu objeto criado no centro das suas atenções.
        Um jogador de futebol, que faz o que gosta, que vê tão somente naquilo que gosta uma função que é prazerosa para ele, o fará, com certeza, com uma dedicação tal que o transformará, possivelmente não em um grande jogador, mas em alguém feliz pelo que faz. O mesmo acontece com o advogado, com o médico, com o pedreiro, enfim, com todos aqueles que dedicam a sua profissão um amor incondicional. Se você escolhe qualquer uma das profissões por fama ou por dinheiro, sua paixão criadora não é a profissão, mas a fama ou o dinheiro que você procura. Então o seu compromisso não é com a sua arte, mas com o que você pode fazer com a arte que você resolveu abraçar.
       Talvez você seja noventa e nove por cento trabalho, e poderá se transformar em alguém dedicado, que cumpre seus afazeres, mas nunca lhe chegará aquele um por cento que fará você o craque no futebol, na advocacia, na medicina, ou na construção civil.
        Portanto, se você acredita que alguém possa lhe fornecer dicas em potencial para ser criativo, saiba que o grande lance da criatividade é a do sujeito que tenta lhe vender isso.
        O mundo, hoje, mais do que nunca, em que as novidades duram exatamente uma semana, dias ou quinze minutos, pede uma criatividade a cada instante. As novidades nascem, crescem, morrem em tempos cada vez maiores. Somos vorazes consumidores de novidades. E muitas vezes essas novidades são meras manipulações de vontades, observar tendências para justificá-las com produtos.
       Porém, os grandes profissionais criativos, seja em qualquer ramo, estão sempre em evidência, são sempre procurados, têm um grupo restrito, mas fiel, e para eles expõem uma criatividade. São seres invisíveis para a fama, e vivem confortavelmente satisfazendo o seu prazer e fazendo o que gosta para a satisfação de muitos ou de alguns poucos.
         Então, antes que o meu pescoço fique em aberto destaque à sanha do meu interlocutor, tenho a dizer que não se deixe ser perguntado se você é o famoso quem. Faça aquilo que gosta, sem correr contra o tempo, afinal se você puder ser o Zico dos advogados, dos médicos, dos pedreiros, com certeza, você é especial.
         Mas, mesmo não sendo o Zico, você poderá ser sempre o craque em alguma coisa que lhe dá satisfação. Criativo é aquele que acorda todas as manhãs para brincar do que gosta, e não aquele que acorda todas as manhãs para se lamentar sobre o dia que começa.

Fonte da foto: morguefile.com

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Nilson Lattari

Nilson Lattari é carioca, escritor, graduado em Literatura pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e com especialização em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Gosta de escrever, principalmente, crônicas e artigos sobre comportamentos humanos, políticos ou sociais. É detentor de vários prêmios em Literatura

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