Monstro e companhia
Menção honrosa IX Concurso Literário Pérolas da Literatura
Certa vez, João, um agricultor que morava em Praépolis, uma cidadezinha muito esquecida pelo tempo, arrumou um grande amigo chamado Carlos. Carlos também era agricultor, mas, muito mais novo do que João. Resolveram trabalhar uma roça juntos e voltavam sempre tarde da noite.
Ao voltarem para casa precisavam atravessar um campo muito grande onde uma plantação de milho acabara de ser semeada. Carlos sempre dizia que o dia em que as plantas começassem a crescer, com certeza, atrairia muitos animais para ali, e precisavam ter cuidado.
João, pelo contrário, dizia que os animais que iriam para ali não seriam animais perigosos, talvez algumas aranhas, algum gambá, coisas assim, pequenos animais e não fariam mal a eles. Ele não se impressionava com isto.
Com o tempo, enquanto atravessavam o campo até a cidadezinha onde moravam, o mato foi crescendo e o milharal foi alcançando altura que dava até para encobrir a lua que costumava iluminar o caminho deles. Quando a lua não aparecia no céu, a escuridão era muito grande e eles se guiavam pelas estrelas, ou então pela estradinha de terra que contornava, uma estrada barrenta, o milharal até a cidadezinha.
Também foram percebendo que a tal estradinha de terra não era uma reta perfeita, na verdade, fazia uma curva, e com o milharal crescendo a tal reta se transformava em uma escuridão muito grande, encobrindo, inclusive, as luzes da cidadezinha.
Com o milharal alcançando uma altura considerável, a escuridão era muito grande, e João, muito zombeteiro, começou a contar histórias de monstros só para assustar Carlos. Carlos ouvia tudo aquilo e não se importava, algumas vezes até demonstrava admiração e fazia perguntas, apenas para que o amigo começasse a rir, e no fundo ele sabia que João ria de nervosismo. Ao que Carlos dizia que somente em dias de vento era que a coisa podia mudar.
João perguntou, então, por que dia de vento. Carlos respondeu que o vento traz muita coisa pelos ares, inclusive monstros, e começou a rir.
A estação foi mudando e com ela os ventos foram chegando. O milharal balançava muito, fazendo, até algumas vezes, um barulhinho como se alguém quisesse conversar.
Um dia em que saíram para o trabalho chovia e ventava muito forte, com o vento trazendo objetos pelo ar, fazendo com que o milharal dançasse ao sabor da ventania.
À noite, o vento ainda continuava, e quando atravessaram o milharal, João se assustou quando achou que um ponto muito escuro do mato parecia ser de um grande animal.
Carlos não se importou, mas João muito assustado ameaçou sair correndo, no que foi seguro pelo amigo, querendo saber o que acontecia.
Quando João parou de gaguejar e disse para o amigo o que sentia, Carlos começou a rir e disse que não fazia sentido tudo aquilo, e que possivelmente João estava assustado à toa.
Enquanto Carlos, calmamente, andava ao lado de João, esse olhava para trás e dizia, a todo o momento, que havia um monstro seguindo os dois.
Carlos procurou tranquilizar o amigo e começaram a se aproximar da curva e finalmente começaram a ver as luzes da cidadezinha, e João, sem dizer nada, empreendeu uma carreira desabalada pela estradinha, deixando o amigo Carlos para trás.
Depois de algum tempo, Carlos começou a falar.
– Que mania, monstro, você tem de assustar os outros!
– Ora quem fala, logo você que desembestou uma carreira quando me viu. E depois viu que era só um saco plástico que ficou preso no milharal.
– Mas, no fundo, era um disfarce seu.
– Pois é, coisas assim acontecem.
– É claro, mas como você me disse que era só imaginação eu nunca mais corri.
– E esse João?
– Ah, João acredita em qualquer coisa!
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