Contos

Lições para um sequestro via telefone

        Ao ouvir do outro lado do telefone, gritos, confusão e um familiar pedindo socorro avisando que foi sequestrado, mantenha a calma e escolha uma das opções abaixo:
        Toca o telefone pela manhã. Do outro lado gritos, palavrões, e um pedido de socorro.
        – Tô em perigo, pai, me sequestraram.
        Outra voz
        – É isso aí, gente boa, estamos aqui com o seu filho.
        – Que filho?
        – Seu filho, porra!
        – Mas, eu só tenho filha.
        – Estamos com ela também.
        – Ela quem?
        – Tua filha, malandro!
        – Não entendi, você está com meu filho e minha filha e eu não tenho filho, só filha.
        – Pois é, estamos com sua filha.
        – Vamos ver se eu entendi: eu tenho um filho que gosta de sair com vestido de mulher, e nesse dia ele é a minha filha, e às vezes volta como filho. Você está com qual dos dois?
        Confuso do outro lado.
        – É o seguinte: eu estou com seu filho que estava vestido de mulher.
        – Agora eu que fiquei confuso. Você disse que estava com dois e agora só tem um?
        – Porra, mermão! A gente vai matar ele? Tá entendo, tem que depositar uma grana na conta que eu vou dizer!
        – Vamos organizar isso. Afinal você vai matar o meu filho ou minha filha?
        – Sei lá, os dois!
        – Mas, se você só tem um como vai matar dois?
        – Porra, tá de sacanagem comigo?
        – Não, só quero que o Wandinho saia dessa.
        – Isso, vou chamar o Wandinho e você vai falar com ele!
        – Wanderhélio?
        – É, é o Wanderhélio, pai, tô sequestrado e querem me matar.
        – Cara! Pensando bem, um sujeito se chamar Wanderhélio tem mais é que morrer.
        – Porra, cara, cê tá brincando com a gente?
        – Tô não, chama o Romário e a gente resolve tudo.
        – Que Romário?
        – Aquele que te pegou com o Wanderhélio atrás do armário.
        Desliga.
        O telefone toca. Gritos, confusão, pedido de socorro.
        – Alô, Jardim Zoológico de São Lourenço da Mata, Lobo falando.
        – Aí, seu Lobo, estamos com seu filho e…
        – Que filho? Ah! já sei, isso é coisa do Leão. Leão!!! Telefone para você!!
        – É o Leão.
        – Leão estamos com seu filho e…
        – Ele está preso?
        – Está e…
        – Então solta ele e vocês estão ferrados.
        Desliga
        Toca o telefone. Gritos, confusão, pedido de socorro.
     – Décimo terceiro batalhão da polícia militar, ao seu dispor, gabinete do comandante Eustáquio de Freitas, coordenação de monitoramento de telefones com sequestro de ente querido, aqui é o major Fernando Silva falando.
        Desliga
        Toca o telefone. Gritos, confusão, pedido de socorro.
        – Você ligou para as Casas Bahia, disque um para não falar nada, disque dois para ir para aquele lugar, disque três para voltar daquele lugar bem puto, disque quatro para voltar ao menu original e ser sacaneado de novo.
        Desliga.
        Diálogo:
       – Finzinho, a próxima vez que você vier com esse dado para escolher número eu vou enfiar naquele lugar que você sabe.
        – Estou confuso, no seu ou no meu.

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Nilson Lattari

Nilson Lattari é carioca, escritor, graduado em Literatura pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e com especialização em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Gosta de escrever, principalmente, crônicas e artigos sobre comportamentos humanos, políticos ou sociais. É detentor de vários prêmios em Literatura

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