Crônicas

Viver para quê?

        Vivemos por muitos motivos, e aí caberão as explicações diversas que as religiões tentam explicar: o Orum e o Ylé, o Paraíso e o Inferno, o mundo espiritual, no seu ir e vir de crescimento, até aqueles que em nada creem, de que a vida aqui começa e aqui se encerra, e então tudo se explica, se justifica e o mundo continuará rodando.
          Vivemos para ver muitas coisas, nesta vida. Desde as paisagens que o mundo descortina para nós, diante dos olhos, e também as misérias que nos cercam, quando os olhares abandonam aquilo que está longe e eles se deitam para tudo aquilo que está a nossa volta.
         Vivemos porque a vida tem um ímpeto por ela mesma, jogados cada um de nós à própria sorte, sem direito à escolha, e nossos olhares ganham o conforto de um lar para começar a vida, ou ganham contornos de sofrimentos, de apreensões e, neste momento, em cada lugar do mundo, os olhares são múltiplos, apesar de enxergarem da mesma forma, nos dando soberbas, recebendo desilusões, invejas, admirações, carinhos ou pancadas.
        Vivemos e como nossos olhares fazem perguntas, indagações ao mundo? Nossos olhares conseguem discernir a sorte, o azar, dando nomes suaves, culpando o Destino e lavando as mãos? Ou nossos olhares são includentes e se emocionam com o olhar do outro?
       Vivemos para quê? Para mostrar nossas habilidades, nossas vaidades, nosso sofrimento pelo outro, para nos divertirmos quando nossos contrários são expulsos, não nos dando a saber se é uma injustiça ou não, enxergando a justiça somente quando nossos interesses são atingidos?
       Vivemos para ver nossas frustrações, vivemos para lutar por um lado ou então para lutar pelo nosso lado. Vivemos para a luta e para sermos corajosos, mantendo as ideias firmes, acreditadas, reformulando conceitos, correção de rumos, e seremos árvores, ou então vivemos para sermos covardes, atacando as ideias dos outros, porque não temos a menor ideia do que é ter ideias, a não ser aquelas que justifiquem nossos egoísmos, e nos tornamos pedras.
        Vivemos para caminhar pelo mundo, e precisamos dos outros na caminhada, porque o outro, vivendo para si mesmo, autônomo, também se preocupará com a própria caminhada. Ou então vivemos para caminhar pelo mundo, e precisamos que o outro seja excluído, para que a sua exclusão nos proporcione meios para facilitar nossa caminhada, nos dar o seu ombro o seu suor, e a troca é o olhar do outro sem chances para viver, se interponha em nosso caminho, e nos inclua no círculo pequeno do egoísmo, prisioneiros de nós mesmos, vivendo uma vida aparente, do caminhar sempre indiferente, achando que é vida, mas não é viver.
         Não vivemos para ter pena do outro, vivemos para que nossos olhares sejam os mesmos, e possamos estendê-los para podermos enxergar mais longe.

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Nilson Lattari

Nilson Lattari é carioca, escritor, graduado em Literatura pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e com especialização em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Gosta de escrever, principalmente, crônicas e artigos sobre comportamentos humanos, políticos ou sociais. É detentor de vários prêmios em Literatura

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