Crônicas

Uma religião para chamar de sua

        Ao entrar em minha casa, três pessoas apareceram e uma delas perguntou se poderia deixar uma mensagem. Pela postura, maneira de vestir, antes do meu postulante falar já imaginei serem membros de alguma igreja; e o desfecho de minha indagação foi positivo.
         O panfleto dizia algo sobre a verdade. O que mais me intrigou foi, quando da aproximação, uma delas se justificou dizendo que já havia tantas igrejas por aí, que eu imaginaria por que não estaria diante de mais uma?
         Apenas aceitei o panfleto, agradeci e subi para meu apartamento. No caminho fiquei intrigado não com a questão sobre conhecer a verdade, ou a verdade das verdades, ou a verdade mesmo, ou escolher algumas daquelas que ficam apregoando por aí. O que mais me intrigou foi a justificativa, um tanto envergonhada de ele dizer que havia tantas igrejas por aí.
        De fato, nestes novos tempos, abrem-se muitas igrejas. A impressão que se dá é que um grupo não se satisfaz com aquela e funda uma outra igreja, mais de acordo com seus pensamentos, que por sua vez se desmembra em outro grupo que abre outra igreja e por aí vai: as igrejas brotando pela cidade como uma plantação sem regras.
         Aos meus pensamentos vieram as questões indianas quanto à proliferação de deuses. Cada um tem o seu deus e ninguém briga com ninguém. Na questão cá do Ocidente, o problema é que todos brigam por um mesmo deus. Brigam pelo Deus dos cristãos e dos muçulmanos. Mas, na verdade, essas igrejas abrigam normas de comportamento. O que é mais justo é que alguns que são discriminados por suas opções, principalmente sexuais, são alijados, a menos que se “curem”. As pessoas não querem a “cura”, elas querem uma aceitação e um conforto espiritual como todas as outras, então por que não fundar as suas.
        Me vêm as palavras de Jung quando disse que: “Por que, então, privar-nos de crenças que se mostram salutares em nossas crises e dão um certo sentido a nossas vidas”?
       Algumas igrejas proíbem determinadas festas, celebrações, sob a ameaça de paganismo e as crises pessoais são culpabilidades por uma vida fora de um critério de verdade, da crença, ou interpretação da Palavra. Algumas crenças e suas observâncias de conduta causam em alguns um conforto espiritual, principalmente quando as coisas começam a dar certo.
     As pessoas se permitem a certas proibições, condutas sem questionar se essas proibições são baseadas em argumentos ou simplesmente estabelecem diferenciações no marketing religioso.
      A necessidade do ser humano em procurar conforto em suas vidas atribuladas, econômicas e espiritualmente mal resolvidas tornam os seres presas fáceis para a mercadologia das religiões. E a tentativa de impor as ideias de uma determinada igreja faz dos religiosos de outras crenças praticantes do bulliyng religioso. As igrejas se aglomeram nas prateleiras, trazendo nomes e mais nomes edificantes na escalada daquela que mais representará a vontade de Deus na terra.
        Com tantas religiões ou igrejas espalhadas, a solução para as lutas religiosas, da mesma maneira que os indianos resolveram as suas desavenças, com cada um adotando o seu deus, deveria estar nesta situação resolvida no Ocidente: uma igreja para cada um.
       Mas existem por trás das manifestações sinceras de apuro religioso a questão econômica. Só se mantém no topo aquela igreja que cresce mais economicamente. As promessas de uma vida pródiga, não de louvores a Deus, mas na questão material, muitas vezes motivam indivíduos a mudarem de credo. Por outro lado, essas mesmas religiões que grassam em cenários mais empobrecidos da população, se moldam nos mesmos formatos daquelas sociedades que se aglomeram em torno de um líder.
       Aí vem a questão das verdades. Quem as detém? Se o amálgama religioso se desfaz em milhares de abordagens na questão de se chegar a Deus, com quem estará a verdade? Que verdade é essa? Da mesma forma que existem muitas igrejas, as verdades se desfazem com elas, cada uma competindo sobre a quem pertence e a quem está delegada a disseminação da verdade. E cada um passa a ter uma verdade, para chamar de sua.

Fonte da foto: morguefile.com

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Nilson Lattari

Nilson Lattari é carioca, escritor, graduado em Literatura pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e com especialização em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Gosta de escrever, principalmente, crônicas e artigos sobre comportamentos humanos, políticos ou sociais. É detentor de vários prêmios em Literatura

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