Crônicas

Uma passagem secreta

        Tem uma passagem secreta em algum lugar que pode ser a solução dos nossos problemas? Quem sabe? Alguns pensariam, talvez, que um prêmio na loteria seria uma resposta adequada para os nossos dilemas e, portanto, uma passagem que se abre de surpresa, uma coisa escondida, secreta.
          No entanto, as nossas passagens secretas podem estar nas respostas ou saídas mais fáceis. E eis aí um paradoxo: se a passagem é secreta como ela pode ser tão fácil assim, porque uma passagem secreta está guardada a sete chaves, e longe dos olhares copiosos dos nossos desejos.
        Desejar é tudo de bom que pode acontecer. Ninguém vive sem ter desejos. É quase impossível você passar pela vida e não ter desejos. Nem mesmo o asceta, o monge que vive em clausura não deixa de ter desejos. Desejar o silêncio, desejar a busca da sua existência, desejar vivenciar o nada, o infinito, a transcendência, mesmo que venham vestidos pelo véu da simplicidade, sempre serão desejos. O desejo é individual, é de cada um, mesmo quando desejamos o outro, desejamos a coisa, desejamos a paz. Desejo tem endereço certo e cada um tem o seu.
        Logo, o próprio desejo é uma passagem secreta para a nossa realização, ou para alguns essa coisa chamada felicidade. Ser feliz envolve muita coisa, ser feliz é algo tão louco que alguns desejam que a vida não tenha surpresas, sendo boas ou más, porque pode atrapalhar o momento bom que vivem de paz e de futuro, razoavelmente, definido. A felicidade pode ser uma coisa tão simples, que a sua simplicidade já é a passagem secreta para ela.
      Essa tal passagem secreta está, muitas vezes, diante de nós. Costumamos enxergar e desejar aquilo que está distante, quando podemos, simplesmente, trocar a ótica do discurso, e ver que temos ao nosso alcance coisas mais simples e, nesse caso, temos as passagens secretas para os nossos desejos. Muitas vezes ela reside naquilo que não queremos ver, porque enxergamos além daquilo, além do nosso alcance, além, tão além, que nosso desejo está nas mãos de outros, impossível tê-los para nós. Imagine desejar as uvas que estão longe de nós e a passagem secreta é esperar que amadureçam e caiam.
        Querer procurar passagens secretas é criar becos sem saídas. E ninguém ou alguma coisa são as passagens secretas de um beco sem saída. Então, o primeiro princípio para não procurar passagens secretas, saídas mirabolantes é não criar uma quantidade tal de becos sem saídas dos quais não podemos dar conta.
       Baixar a bola da vez é uma passagem secreta necessária. Não existem palavras mágicas, não existem passagens secretas ou saídas fantásticas para os problemas normais da vida, e nem mesmo para aqueles que criamos, inventando dificuldades que se tornarão insuperáveis.
       Colocar nossas vidas em avenidas abertas e conhecidas, seguindo os passos da paciência e da espera, é evitar atalhos através de becos sem saídas, sem as passagens secretas.

Fonte da foto: Photo by Stefan Steinbauer on Unsplash 

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Nilson Lattari

Nilson Lattari é carioca, escritor, graduado em Literatura pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e com especialização em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Gosta de escrever, principalmente, crônicas e artigos sobre comportamentos humanos, políticos ou sociais. É detentor de vários prêmios em Literatura

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