Crônicas

Uma mulher madura

         O que faz uma mulher ser madura a ponto de ser colhida e ao mesmo tempo ser uma criança insegura em busca de acolhida? Com tantas coisas misturadas, passeando pelas calçadas – afinal o vento quando brinca com seu vestido, alçando voos indecentes -, ela pode ser também apenas a criança que se diverte com seu brinquedo inocente, enquanto anda alegremente no meio das gentes.
         O que faz uma mulher ser madura, convivendo com o tempo com o frescor de outros tempos, que passa docemente, enquanto vai se desviando dele como o esconde-esconde infantil? Uma vez morena, se transforma em loira, depois disfarça os longos cabelos, ou encaracolados, em suaves feixes frisados, deslizantes, como a cortina do teatro, que esconde por trás do palco uma atriz que sorri, sempre que seu público esperado enfim a tem frente a frente.
        O que faz essa mulher amadurecer tão rápido, mas ter no sorriso resguardado, nos gestos um tanto teatrais, exagerados, o sorriso infantil que lembra a mulher que ainda vai amadurecer, e ainda verde se transformar em um amarelo solar, um vermelho, quem sabe, de enrubescer?
       Uma mulher é madura bem antes do alvorecer do tempo. Ela vem de antes do meio-dia, quando o sol a pino não deixa nenhuma sombra escondê-la. Está numa certa empatia que aos homens causa, da princesa do pai, dizem alguns seu primeiro namorado, quando ansiosa espera por aquele primeiro príncipe encantado, cansado, entrar pela porta da casa e lhe dar um sorriso de boas vindas, envolto em um abraço e por isso começa a amadurecer nessa arte de envolver.
         Uma mulher não amadurece, é sempre um ser que permanece na mente da mãe, da filha, do pai, do marido ou do namorado. Não é um amadurecimento, assim, temporal, é apenas um jeito sensual de parecer dar um conselho, quando só o olhar já diz o que se tem de dizer.
         Ela desamadurece quando se apaixona e isso dura um pouco ou uma vida toda. E se recobra, como quando se refaz alisando as roupas, depois de um momento ou dois, perdidos nos braços de seus amores.
        Uma mulher madura não se recolhe como se estivesse em árvores, arbustos, jardins, ela vai se construindo com o tempo, e quando parece que esse tempo vai tratá-la com perversidade ela dribla o relógio e vai se contorcendo com habilidade todas as curvas, com as curvas que as estações lhe dão.
        Afinal, uma mulher madura, tipo meia idade (afinal, dá para perceber se existe essa metade?), é a feiticeira que maduramente vai vencendo o tempo, se escondendo dele, se disfarçando tanto que, quando o tempo percebe, ela já viveu tudo que deveria viver.

Origem da foto: Foto de Myriam Zilles en Unsplash 

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Nilson Lattari

Nilson Lattari é carioca, escritor, graduado em Literatura pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e com especialização em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Gosta de escrever, principalmente, crônicas e artigos sobre comportamentos humanos, políticos ou sociais. É detentor de vários prêmios em Literatura

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