Crônicas

Tempo de goiabas verdes

        Quando eu pulava o muro do seu Nabor (aliás, nunca consegui descobrir se o nome é de origem árabe ou não, mas acho que a sua figura tinha alguma coisa de Nabor), era um risco enorme com o seu cachorro. Era um sujeito baixo, de cor bem morena, cabelos negros, apesar da meia idade, uma pele e uma barriga roliça, e sempre implicando com a bola que caía no seu quintal. Tinha um sorriso meio debochado quando se referia às nossas peladas na rua, onde, infelizmente, o gol era o seu muro.
        Quando o gol não era atingido, e assim meio que passando raspando pela trave, no caso o muro, apesar dos protestos da sua mulher, que jogava a nosso favor, ele se achava no direito de prender a bola até o dia seguinte. Por implicância, todos nós acordávamos cedo e começávamos a perturbar na campainha até que a pelota fosse devolvida.
        Acho que cada um de nós teve, na verdade, um bicho-papão. Alguém que amedrontasse, ficasse escondido debaixo do sofá, da cama, para nos assombrar durante a noite.
      No do seu Nabor, esse éramos nós, porque ficava irritado com a nossa impertinência em acordá-lo bem cedo para a devolução do nosso brinquedo.
         Mas, havia no quintal do seu Nabor uma goiabeira com goiabas brancas – uma raridade. Deliciosas, por sinal. E pular o muro em busca delas era uma tentação.
      Alguém ficava irritando o cachorro pela frente da casa e alguns sorteados eram encarregados de surrupiar as goiabas do seu Nabor. A sofreguidão era tanta, e também a rapidez com que o ato deveria ser realizado, que retirávamos do pé goiabas ainda verdes, sendo que as maduras, ou próximas disso eram comidas antes do retorno.
       Aqueles que ficavam do lado de fora reclamavam delas, e mesmo diante do perigo que representava retirá-las, ainda assim as comíamos, devidamente separadas no chão, como uma espécie de vingança pelas longas tardes em que ficávamos privados da nossa bola.
          Algumas vezes, quando encontro uma goiaba verde, dessas duras ainda, no mercado, ainda me lembro que elas, apesar de serem assim, foram disputadas por mim, em algum lugar no tempo. E servem como lembranças de quando praticávamos a dura arte de irritar os vizinhos.

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Fonte da foto: https://morguefile.com/creative/kamuelaboy

 

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Nilson Lattari

Nilson Lattari é carioca, escritor, graduado em Literatura pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e com especialização em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Gosta de escrever, principalmente, crônicas e artigos sobre comportamentos humanos, políticos ou sociais. É detentor de vários prêmios em Literatura

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