Crônicas

Sou uma dama da noite

        O jardim onde você cultiva as rosas coloridas, que durante o dia encantam os seus olhos, é apenas um quintal sem graça, onde os insetos e os pássaros vêm se divertir. Não existe nenhuma sensação de vida, são apenas as flores que se entregam à chuva, ao sol, que se despedaçam por fraqueza ao menor toque do vento.
         São coisas frágeis e vazias que você admira sem saber que a noite, quando chega, traz muitas outras coisas, além do mero perigo de viver.
       Durante as noites é que os amantes encontram a paz, o silêncio tão importante para que possam trocar palavras entre si. O som das palavras significa, para os ouvidos solitários, a ausência do conforto e do carinho das mãos de alguém.
       Suas mãos percorrem as flores do jardim, mas você sabe que elas não te pertencem. Você não pode tê-las, você pode vê-las, e tocá-las são apenas gestos infantis e inconsequentes. Elas têm cheiros e fragrâncias que não pertencem somente a você, mas a outros que passam ou as têm também em seus jardins.
         Quando a lua começa a aparecer, o seu jardim, realmente, começa a ser aquilo que você deseja.
      Enquanto a escuridão toma conta de tudo, quando as casas em frente são apenas luzes perdidas nas sombras, quando os muros passam a esconder os medos, a flor que você deseja aparece com seu perfume delicado.
        Sou a dama da noite perfumada que te chama. Você recebe o cheiro e se embriaga. Sou como o canto de uma sereia que nada no mar de luar que ilumina seu quintal. Quando minhas pétalas se abrem, todas as outras flores se recolhem e o meu cheiro começa a invadir e a hipnotizar seu sono.
        Sou como uma dama negra com a luz da lua a emanar dos meus olhos. Meu andar é macio e desconcertante, e o meu cheiro perfumado já te domina por encanto.
        Tuas mãos se estendem tentando deslizar sobre a minha pele, tentando encontrar a veludez das rosas que você cultiva. Não são delas a maciez da minha pele, e o leve arrepiar de meus pelos negros que a tua dama da noite traz.
       É um tecido mais macio que está além das roupas que me vestem. Enquanto o perfume ondula pelo seu quarto, são minhas pernas que se movimentam no leve passar de meus passos rápidos.
         Sou a dama bêbada que te torna dependente. Você resiste ao sono, mas é uma luta vã. As tuas flores te dizem para que destruas aquela dama da noite que é fingida durante o dia, mostrando pétalas macias e uma total ausência de cheiro.
         Elas invejam a dama da noite porque sabem que o universo dela reina quando a noite cai, e todas as flores perdem seu viço e colorido. Porque o colorido que eu tenho é me fingir de tímida ao brilhar do sol e mostrar, como as grandes amantes mostram, a realidade da noite entre nós.
       Eu sou a sua dama da noite, que entra com sensualidade e perfume em sua cama. Em teus sonhos eu sou viva, sou uma mulher de corpo voluptuoso que invade a sua alcova, e a sua imaginação não te engana quando me vê como a feiticeira que te encanta com o leve toque de minha varinha mágica e te desperto do sono e nos envolvemos em lençóis e travesseiros, dentro do caldeirão mágico onde você se desfaz.

Fonte da foto: Photo by Fabrizio Conti on Unsplash 

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Nilson Lattari

Nilson Lattari é carioca, escritor, graduado em Literatura pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e com especialização em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Gosta de escrever, principalmente, crônicas e artigos sobre comportamentos humanos, políticos ou sociais. É detentor de vários prêmios em Literatura

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