Crônicas

Somos fugitivos, todos

        Vendo o mundo mudar, muito rapidamente, a primeira coisa que nos passa pela cabeça é fugir de tudo isso, mesmo que não se tenha a menor ideia para onde ir. Esse é o problema, queremos fugir para algum lugar e não existe nenhum lugar para onde nós possamos nos esconder. Até porque esconder de si mesmo é uma das grandes armadilhas que o Destino nos impõe. E, por sinal, ninguém foge dele, logo não há esconderijo para nos esconder.
        Normalmente, alguém que quer fugir, se esconder de todos, é o fugitivo natural. É aquele que comete algum ilícito ou foge de alguém ou alguma coisa por várias razões.
        Fuga nos lembra fugaz que é ser uma fumaça que se desfaz no ar e uma fuga é a tentativa de se transformar em nada. Todos somos fugitivos, até os honestos que fogem de um mundo que julga desonesto demais para viver. Não há alternativa. Fugir é a única forma que não é possível ter: uma forma de fuga. A democracia é unânime, neste caso, e a fuga é permitida, o principal nem é chegar a algum destino: a fuga é a razão em si mesma.
        Uma das causas, fora as ilícitas, é ter uma compreensão de mundo, que nos leva ao distópico e não na esperança de a utopia vir a chegar. Como cada um de nós tem uma utopia para viver, no final das contas, estamos fadados ao desencontro.
         Talvez a ignorância, a desprocura das verdades, a aceitação das verdades prontas e acabadas seja a razão para que não fujamos nunca. A ilusão é a grande fonte da permanência do ser em seu estado de não-fuga. Fugir para quê? Se a necessidade não existe ou quando a ignorância assume seu lugar no consciente. Aceitar é o que dói menos, a não aceitação é a fuga impossível ao encontro da dor.
       Somente uma fuga é possível; aquela em que ignoramos o mundo, desistimos de discutir e argumentar com ele, e o nosso silêncio passa a ser o lugar para onde a fuga nos leva.
       Silenciar é uma forma de fugir para algum lugar tão distante, que mesmo dentro de nós, a solidão se torna imensa, por estar tão perto. Tão intensa que saímos da realidade, e, portanto, podemos nos considerar fugitivos vitoriosos.
        Todos nós fugimos e, por incrível que pareça, todos nós conseguimos sair de onde estamos: a fuga é controlável, o destino nem sempre.
      Se ignoramos a realidade e a aceitamos, fugimos, na verdade, de algum lugar para outro, sem perceber. Se não ignoramos e nos silenciamos porque é muito difícil conviver, também fugimos e somos vitoriosos.
       Somos todos vitoriosos sem troféus. Sem nada a comemorar. Se sorrimos uns para os outros, e fingimos o que não somos, passamos a ser algo diferente do que somos e nos tornamos alguém que nunca seremos. Vivemos fantasiados de alguém que não queremos ser ou não percebemos, por ignorância. Somos fugitivos vitoriosos, e mesmo sem sair do lugar, corremos para lugar nenhum.

Origem da foto: Foto de Jeremy Lapak na Unsplash 

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Nilson Lattari

Nilson Lattari é carioca, escritor, graduado em Literatura pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e com especialização em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Gosta de escrever, principalmente, crônicas e artigos sobre comportamentos humanos, políticos ou sociais. É detentor de vários prêmios em Literatura

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