Crônicas

Sobre barulhos e silêncios

         Wittgenstein foi um filósofo interessante do ponto de vista de sua origem. Foi herdeiro de uma grande fortuna familiar e, no entanto, se dedicou à filosofia, e se não me falha a memória chegou a trabalhar como jardineiro para perceber, quem sabe, como seria a situação de alguém sem a sua condição financeira perambulando pelo mundo. Mas, isso é apenas uma curiosidade.
            Uma de suas falas é “Do que não se pode falar, é melhor calar-se”.
        Creio que essa máxima caberia no mundo de hoje, tendo em vista a enormidade de falastrões que grassam por aí, sem a menor condição de discutir qualquer coisa sem um mínimo de coerência. Falar apenas para não ficar de fora da discussão e não passar por ignorante é o mote, e o que se dá do mesmo jeito porque expele uma ignorância natural.
         Uma das peculiaridades da ignorância, além do fato de não ter a menor noção sobre ela, é o arroubo de querer mostrar o que não sabe, baseado em alguma coisa que não leu e seguindo a opinião terceirizada de outro ignorante que também seguiu o mesmo rumo, ocasionando um congestionamento de ideias sem o menor fundamento, afogando ao próprio e também a paciência de quem ainda perde tempo em ouvir.
          Todos se julgam conhecedores de futebol, política e língua portuguesa. E têm horas que a cabeça de quem está ao redor entra em parafuso, fazendo com que se duvide até mesmo das certezas que se tinha até o momento em que encontra um oponente que discute apenas por discutir. A preguiça, companheira da ignorância, é um problema, porque para saber e compreender leva tempo e paciência.
       Nas redes sociais, as pessoas não espalham memes, elas reproduzem qualquer coisa que venha ao encontro das suas certezas. E aquela vontade de falar pelos cotovelos é maior do que a possibilidade de passar vergonha. O problema é a certeza. O cidadão afirma uma mentira deslavada com tanta certeza e condena coisas já consagradas pela ciência com tal desenvoltura que a gente fica na dúvida até mesmo das nossas convicções. Uma das fontes preferidas é a Bíblia. É tanto conhecedor tirando da Bíblia as coisas mais absurdas que até mesmo quem leu, e por se tratar de um compêndio imenso, fica a dúvida se não deixou passar alguma coisa. E como a preguiça é um fator preponderante na divulgação das notícias, que chegamos a pensar que é melhor aceitar do que ficar buscando pelo em ovo. Aliás, fico pensando quem nasceu primeiro: o ovo ou o pelo.
          Como se pode falar tudo impunemente, a questão do que não se pode falar fica em segundo plano, logo o calar-se foi para as calendas.
        Uma das fontes mais conhecidas é o primo de um amigo, de um conhecido, um parente que mora no exterior e vai por aí na busca das legitimidades para justificar sandices. Mas calar que é bom, nada. Imagino Wittgenstein, em um trabalho simples para entender as pessoas, dando voltas na cabeça tentando elaborar seu Tratado Lógico Filosófico diante de uma cada vez mais absurda sociedade. Por outro lado, se todos seguissem à risca o ensinamento do filósofo, de súbito, haveria um silêncio no mundo, porque tantos falam do que não sabe que, sendo o calar-se a máxima mundial, conseguiríamos ouvir a voz dos próprios pensamentos.

Origem da foto: Foto de Anna Wangler na Unsplash

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Nilson Lattari

Nilson Lattari é carioca, escritor, graduado em Literatura pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e com especialização em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Gosta de escrever, principalmente, crônicas e artigos sobre comportamentos humanos, políticos ou sociais. É detentor de vários prêmios em Literatura

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