Crônicas

Sobre a luz e a escuridão

          Muito falamos, com um sentido negativo, sobre a escuridão. O negro, o preto, o escuro são palavras banidas do dicionário politicamente correto por ver uma associação entre elas e o racismo. Assim, dizer que o céu está preto, por anunciar uma chuva, pode afetar alguns comportamentos que não se sentem tratados de forma justa.
        O escuro é a ausência da luz, basicamente. Nele não é possível ver nada e, por isso, talvez associado a fatos negativos. Caminhar na escuridão é viver em total cegueira, e associamos isso à ignorância, sendo a luz o conhecimento que chega.
        Mas, da mesma maneira que o escuro não permite que enxerguemos com clareza (e novamente a luz) o que está ao nosso redor, o excesso de luz também inibe a nossa capacidade de ver alguma coisa. Ao sairmos de um ambiente escuro para a luz do sol, por alguns momentos, também temos uma desconexão com o que acontece ao nosso redor. Portanto, um como outro podem prejudicar nossa clareza de ideias.
         Noites escuras podem estar associadas a romantismo e podem estar associadas a perigos iminentes. Quando colocamos a luz do sol sobre ideias arraigadas, trituramos, queimamos tudo que é antigo, mesmo que esse antigo tenha sido a lanterna que iluminou caminhos no passado. Foram luzes que se transformaram em trevas.
        A neve é excessivamente clara e, no entanto, significa perigo. A noite escura pode significar um país, uma sociedade ou um homem vivendo momentos infelizes. E, no final das contas, saem à procura da luz, da descoberta. Na caverna de Platão, a luz projeta sombras escuras nas paredes e amedronta os homens.
        O romantismo é a lua luminosa passeando pelo céu escuro. Mas as estrelas e ela, a lua, nos encantam porque no escuro se tornam mais brilhantes. A noite mais escura significa que em algum momento o sol pode brilhar. Ninguém está seguro à noite, porque aquilo que nos circunda não é visível. É na noite que o vigilante não dorme e é nessa hora que o meliante atua.
       Mas existem os dias luminosos e também os dias nublados. À noite todos os gatos são pardos e de dia muitos se disfarçam. Não há luta entre o dia e a noite, nem entre a escuridão e a luz. Porque a vida precisa de alternâncias, e para viver é preciso viver todos os momentos: os bons e os ruins. É a noite que nos acalma na sua quietude e escuridão das agruras sofridas durante o dia e o burburinho da cidade.
        A noite é a cama daquele que chega cansado a sua casa. E é o dia que nos avisa que um dia de trabalho vai começar. Todos precisam da luz para estudar e ler e todos precisam do escuro da noite para pensar e sonhar.
        Sonhamos com os olhos abertos ou fechados, porque se o fechamos voltamos no tempo das nossas memórias e é de olhos fechados, no breu da nossa consciência, que conversamos com Deus. De olhos abertos pensamos, friamente, se o sonho vale a pena de se entregar a ele de olhos fechados na doce escuridão do acalanto.

Origem da foto:  Foto de Ihor Malytskyi na Unsplash

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Nilson Lattari

Nilson Lattari é carioca, escritor, graduado em Literatura pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e com especialização em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Gosta de escrever, principalmente, crônicas e artigos sobre comportamentos humanos, políticos ou sociais. É detentor de vários prêmios em Literatura

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