Crônicas

Sobre a arte de engolir sapos

        Viver é a arte de engolir sapos: alguns grandes, pequenos, médios, mas, de todo modo, intragáveis. Sapos para o bem ou para mal, encantados ou não.
          Quando somos jovens não os aceitamos de modo algum; quando mais velhos estamos mais prontos a aceitá-los. E isso é por um bom motivo porque a maturidade leva à negociação, ou à espera.
           Quando jovens, carregamos o futuro em nosso colo, e o preservamos contra os males do mundo. Acreditamos na possibilidade infinita de vencer. E, portanto, a arte de engolir sapos não faz parte de nossa dieta. Quando jovens nos deixamos enganar, por infantilidade, por imaturidade. Na verdade, nós nos enganamos porque não temos em nossa bagagem cultural a carga emotiva, transcendental, do acúmulo de decepções… ou vitórias, estas bem poucas, e tão pouco valorizadas.
             Engolir sapos é apenas uma relação de custo-benefício.
           É comum ouvir dizer que procuramos a felicidade, a qualquer custo. O que importa é ser feliz. No entanto, em qualquer procura nesse sentido estabelece-se uma barganha. E essa barganha envolve não só nossos desejos como os desejos de outros. E é aí, nesse ponto, que a arte de engolir sapos se mostra mais profícua.
           Se vivemos em uma sociedade, ocupamos um espaço que nos foi destinado, e as peças de arrumação em nosso entorno obedecem a uma equação de satisfação.
           Procurar a felicidade individual implica necessariamente desalojar peças no nosso entorno e teremos, nesse momento, que validar nossas procuras.
           O que implica nossa decisão em qualquer sentido? A quem ou o que vamos prejudicar? A quem ou o que vamos beneficiar? Então, a arte de engolir sapos não está quando nos prejudicamos em prol de uma causa. Mas, existe também quando prejudicamos alguém, depois de uma longa espera.
          Por isso muitas vezes engolir sapos é estabelecer motivos que não nos levem a deslocar pontos no espaço, desarrumar vidas à nossa volta, é, também, a ética que deve nortear nossos comportamentos. Engolir sapos não é só absorver golpes que a vida e outros nos dão. É, muitas vezes, conter um orgulho, amor-próprio dentro de nós de modo que não prejudiquemos a vida de outrem.
           Não, isso não é covardia. Não é covardia, muitas vezes, não querer enfrentar situações de perigo. Perigos esses que colocarão a vida e o comportamento social em risco.
           Abrir mão de uma suposta felicidade, pensando nos desdobramentos de nossos comportamentos, mais do que uma digestão é um ato de amor para com o outro e para com a sociedade.
           Por isso, existem sapos amorosos e venenosos, e é uma arte tê-los, saber usá-los no momento adequado. Até porque os sapos irônicos sempre serão a sobremesa em qualquer estilo.

Fonte da foto: https://morguefile.com/creative/pippalou

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Nilson Lattari

Nilson Lattari é carioca, escritor, graduado em Literatura pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e com especialização em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Gosta de escrever, principalmente, crônicas e artigos sobre comportamentos humanos, políticos ou sociais. É detentor de vários prêmios em Literatura

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