Crônicas

Símbolos de riqueza

        Um jovem Dalit, de uma casta julgada como inferior na Índia, um grupo de pessoas às quais são entregues os trabalhos impuros, foi assassinado por membros de casta superior por ter a audácia de possuir um cavalo, símbolo de poder e riqueza.
       Apesar da constituição daquele país não discriminar seus habitantes pela casta, na prática, não é isso que acontece. O que nos faz questionar, além do crime em si, o que seria o símbolo de riqueza, ou o que incomodaria um grupo por alguém possuir um bem que julga ser propriedade exclusiva dele e não permitida ao outro.
        Ostentamos símbolos de riqueza, muitas vezes, de forma involuntária. Quando compramos o carro novo, não por ser novo, mas por ser também uma forma de nos tornar diferentes no grupo, entre os vizinhos, entre os amigos etc. Colocamos a roupa da moda, escolhemos o melhor restaurante, mesmo que a roupa não seja diferente das demais, nem mesmo pela cor ou modelo, mas por um símbolo qualquer que defina que ela seja cara, inacessível aos mais pobres, ou que a comida não seja muito diferente, às vezes pior, em relação àquela que comemos, prosaicamente, em nossa própria casa ou em uma pensão de boa qualidade. Estar exibindo a roupa ou aparecer no restaurante da moda não significa, na prática, nada, apenas estar com ela ou estar ali pode nos tornar diferentes, ou imaginamos assim.
        E por que sentimos ou necessitamos dessa diferença? Na verdade, acredito nem sabemos o porquê. Fazemos porque fazemos, porque outros fazem, seguimos a onda, seguimos a manada, ou seja, ostentamos símbolos de riqueza e somos tão pobres quando procuramos definir quem somos nós nos exibindo para outros.
     Ostentar símbolos de riqueza não nos torna ricos, óbvio, e nem parecer ricos seremos. A grande riqueza é atingirmos um grau tal de desconsideração contra o sistema de castas sociais que nos faça enxergar o mundo de outra dimensão. É como nadar contra a corrente, ir na contramão do ideário, abrindo mão de conquistar, de ser aquele alguém ostentando a riqueza ou estando na moda.
       Que coisa rica seria andar no meio da multidão, esbarrando nos símbolos de riqueza e encontrarmos, exatamente, vindo ao nosso encontro, alguém que também pense assim.
         Pode ser que exibamos os tais símbolos de riqueza por medo de não ser mais apontado, reverenciado, notado. Mas o outro lado não é símbolo de pobreza, mas pode ser desprendimento de uma realidade fictícia.
         As palavras do ex-presidente do Uruguai, Mujica, que prega um desapego com o consumo são as mais fortes quando nos defrontamos contra os símbolos de riqueza, o melhor caminho para evitar que massacremos os outros, para que nos distanciemos tanto da humanidade, e não nos massacremos também. Não alimentamos símbolos de riqueza, na realidade alimentamos a criação de castas, e o passo adiante é massacrarmos aqueles que não podem exibi-los, para ficar cada vez mais, supostamente, ricos e, na realidade, sozinhos.

Origem da foto: Photo by engin akyurt on Unsplash 

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Nilson Lattari

Nilson Lattari é carioca, escritor, graduado em Literatura pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e com especialização em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Gosta de escrever, principalmente, crônicas e artigos sobre comportamentos humanos, políticos ou sociais. É detentor de vários prêmios em Literatura

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