Crônicas

Se falta coragem

        Algumas vezes falta coragem. Coragem para qualquer coisa que se queira fazer, pensar, imaginar, apesar de que alguma coragem existe em todo mundo, todos somos corajosos algumas vezes. E, por que não com bravatas que desaparecem quando o momento exige? Mas existe aquela coragem que é para poucos. E poucos somos para nos apresentarmos diante dos fatos e realizar e fazer aquilo que deve ser feito.
         Fazer, portanto, é um ato de coragem. Sair dos projetos e começar a criar as estruturas para o sonho se tornar realidade vai muito além de ser capaz. Construir castelos de sonhos, que serão de cartas, é mais fácil. Pensar, planejar, colocar no papel não é um fato é uma projeção, e o problema está em sair na rua, ir para o espaço vazio e preenchê-lo.
       No entanto, uma coisa é pertinente a todos os sonhos que querem se tornar realidade, que é a certeza de que se está fazendo do modo correto e, logo, preencher espaços vazios é completá-lo, milimetricamente, com paciência e dedicação, e não se preocupar com o ótimo, o bom e suficiente já estão de bom tamanho.
        O problema da grandeza do sonho está na raiz daquilo que não somos capazes de realizar, porque existem sonhos que não cabem na realidade, e realizar o irrealizável já é o passaporte para o fracasso. Então, a coragem tem a ver com o discernimento, com o horizonte do provável. Fora isso, é apenas uma noite de verão que despedaça o sonho. Até mesmo o sonho, trazido para a vida real, precisa de uma certa moderação, e um certo comprometimento com o realizável. Fazer coisas, projetar coisas além da nossa capacidade é o princípio do fracasso.
        Pensar na perda não cabe em nenhum projeto que queremos fazer, mas se faltar coragem o que fazer com o sonho, destinado ao engavetamento, ao arquivo da memória em honra daquilo que não somos ou não queremos, ou não temos vontade de fazer?
       Mas tem uma hora em que a fronteira tem de ser ultrapassada, porque afinal queremos conhecer o outro lado, nos imaginar vivendo a realidade do sonhado, e mesmo que a janela dessa fronteira seja alta o suficiente para nos amedrontar, temos que arriscar, organizar como um gato que coloca todas as partes do seu corpo em constante arrumação para dar o pulo… do gato. Mesmo assim, tudo organizado e perfeitamente alinhado o pulo pode não dar certo.
       Considerando todos os prós e contras do nosso pulo, é importante encontrar uma janela no tempo, uma abertura que se apresenta para o fazer, o final de uma espera prolongada e esperada. E aí, nesse momento, em que a janela se abre, dá aquele friozinho na espinha da hora que chegou, que venha a loucura e preencha esse vazio, porque, depois que o foguete partiu, é curtir a viagem e colocar os planos para funcionar.

Origem da foto: Foto de Sammie Chaffin en Unsplash 

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Nilson Lattari

Nilson Lattari é carioca, escritor, graduado em Literatura pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e com especialização em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Gosta de escrever, principalmente, crônicas e artigos sobre comportamentos humanos, políticos ou sociais. É detentor de vários prêmios em Literatura

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