Crônicas

Se criamos o leão, conseguimos domá-lo?

        Animais selvagens, com instintos de sobrevivência adquiridos na cruel disputa por alimentos na natureza, são, algumas vezes, domesticados e convivem com os homens. Há acidentes, é claro, quando, eventualmente, o seu instinto não foi totalmente extinto e algo em sua memória revive sua índole e o resultado é desastroso.
       Esse desastre vem de uma confiança que se estabelece do lado humano, que não leva em consideração essa possibilidade. Muitos convivem até o final de suas vidas com perfeita relação e traços de amizade que duram todo aquele tempo.
         O tempo, no entanto, não é o fiador disso. Coisas como “com o tempo tudo se ajeita” e “tudo se dá um jeito” não funcionam contra o natural instinto selvagem do animal.
        Certos humanos têm esse comportamento de selvagem domesticado em admitir que está em situação de submissão, apesar de ser um animal selvagem que tem encoberto, ou acobertando seu instinto para esperar o momento certo de agir. Nesse grau também podemos considerar a sociedade como aquela que, usando os métodos legais e uma promessa de respeito às leis e a uma constituição, permite que alguns seres selvagens saiam do seu instinto de anonimato e tentem devorar a mão que lhes proporciona a liberdade para existir.
       Somos, enquanto sociedade formada, ingênuos diante deles. Achamos que as leis e comportamentos culturais que cultivamos durante anos e séculos de conhecimento sejam suficientes para mantê-los em seu lugar: afagando a mão do dono e respeitando os seus limites.
       No entanto, o gosto pelo sangue permanece, como um tipo de ódio que se vai acumulando, porque alguns animais selvagens querem ser os leões da floresta e não apenas alguém a viver como um lobo solitário cuidando da própria vida. Pelo contrário, a vida do outro é o seu alimento e viver com seus donos e domá-los é o objetivo deles.
       Pobres domadores que descobrem que só dominam os leões dentro de uma jaula cercada e somente um chicote para contê-los. Viver em sociedade é também estar alertas para não tentar o indomável. Certas criaturas deveriam sempre estar sob vigilância e algumas vezes isoladas da sociedade, porque a sua eliminação revelaria, dentro de nós mesmos, o mesmo instinto de matança que os animais selvagens e os leões, principalmente, têm.
       A vida não é simples, ela precisa de atenção… e eterna. A melhor solução seria conter animais selvagens ou mantê-los em seu habitat, isolados de nós e sem poder influenciar outros a participar de seus instintos
       A vida na floresta e na vida têm suas peculiaridades. Quando entramos em uma floresta sabemos quem manda no pedaço. Sabemos com quem vamos lidar e também com as surpresas que vamos conviver. Não vamos, não vivemos lá, somos apenas curiosos e turistas da vida alheia.
A questão não é como domar os animais selvagens. A questão é não transformar nossa sociedade em uma floresta, ambiente propício para que os leões reinem.

Origem da foto: Foto de joel herzog na Unsplash

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Nilson Lattari

Nilson Lattari é carioca, escritor, graduado em Literatura pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e com especialização em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Gosta de escrever, principalmente, crônicas e artigos sobre comportamentos humanos, políticos ou sociais. É detentor de vários prêmios em Literatura

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