Crônicas

Salto para o nada

         A ponte Nanjing, localizada na China, sobre as águas turbulentas do rio Yangtze, tem o triste recorde de ponte dos suicídios. Um grande número de pessoas se joga no vazio, depois identificadas pelos bens pessoais encontrados na ponte ou mensagens manuscritas. Deve-se às mudanças bruscas na economia chinesa esse desacerto de pessoas que não conseguem conviver com o “novo mundo” velho a que a China se entregou?
       Algumas mudanças nas nossas vidas provocam um certo desacerto com o mundo. O mundo está, constantemente, mudando e, para alguns, essas mudanças parecem não trazer benefícios ou, pelo menos, os benefícios que elas imaginam.
         O desejo por um determinado mundo e pensando na chegada dele parece trazer bem-estar para os que o desejam. Para isso, esses desejosos se apegam a qualquer bandeira que diga que o seu objetivo está prestes a se realizar. Na verdade, ter cuidado com aquilo que se deseja pode ser perigoso, além de essa vinda não ser o, exatamente, desejado, mas sendo proposta por aqueles que desejam alcançar seus objetivos preenchendo o desejo de outros.
         Quando construímos uma ponte para atingir nossos objetivos passando por cima de sentimentos próprios ou dos sentimentos dos outros, ou das opiniões e desejos dos outros, construímos a ponte dos nossos suicídios, incluindo aproveitar-se dos desejos de outros.
          Apoiar ou colocar nas mãos de outros a construção da ponte dos nossos desejos é facilitar a vida do outro, prejudicar quem não gostamos e, no fundo, não ganhar nada com isso, ou apenas imaginar que os desejos internos foram satisfeitos, e, na realidade, atende-se os desejos de outros.
          Uma ponte leva a algum lugar difícil de ser alcançado, é um artifício que passa sobre os obstáculos, uma conquista sem lutas ou não, ignorando sobre quem ou o que estamos passando.
          A vista que ela proporciona parece bonita, mas os fundamentos e os alicerces podem ser danosos.
          Construímos uma ponte para atingir um fim, ou construímos uma ponte para preparar o nosso suicídio? Suicidar-se não é, necessariamente, dar cabo de si, fisicamente. O suicídio pode estar em liquidar toda a sociedade e nós, indubitavelmente, incluídos.
          A boa notícia é que na ponte chinesa há um anjo da guarda e sua equipe que patrulham a estrutura e logram, algumas vezes, resgatar alguns.
         Nesse caso, o guardião durante a caminhada pela ponte são nossos afetos, que ocultamos para atingir nossos objetivos. Esse guardião precisa ser despertado para que não nos lancemos no vazio das nossas frustrações.

Fonte da foto: Photo by Alex Azabache on Unsplash 

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Nilson Lattari

Nilson Lattari é carioca, escritor, graduado em Literatura pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e com especialização em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Gosta de escrever, principalmente, crônicas e artigos sobre comportamentos humanos, políticos ou sociais. É detentor de vários prêmios em Literatura

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