Premiados

Prêmio UFF 2012

          E a crônica, também menção honrosa no prêmio Uff, com o tema: O contador de histórias, cujo tema eu juntei de várias histórias que eu ouvi no meu trabalho acerca de um colega que nasceu no Maranhão, e contava muitas histórias, a maioria, com certeza, lorotas, que eu juntei sobre um outro que, apesar de ser contínuo, e ter se casado com a filha de um coronel muito influente em política, se apresentava como inspetor para os vizinhos, em um apartamento de luxo na zona sul do Rio. A zoação do chefe era pedir qualquer coisa na rua, e ele, toda vez, tirava o uniforme de contínuo e colocava terno e gravata, para ir à rua.

        Na verdade eu não vou contar para vocês “my story”. My story era o apelido do Josué, um contínuo que eu conheci, lá na repartição. Quando convivemos com um grupo de pessoas, durante boa parte do dia, as histórias, patrocinadas pela convivência, passam a fazer parte da nossa memória. Porém, o My story, nosso contínuo, tinha muitas outras histórias.
        Para começar o My story não era um contínuo qualquer. Ele não parecia ter o perfil. Ninguém sabia por que cargas d’água ele apareceu por lá para tomar posse. No dia, ele estava impecável no seu terno e gravata. Foi-lhe comunicado que a vestimenta de contínuo era um uniforme. Ele, no entanto, não se fez de rogado e se vestiu conforme as normas da repartição. Mas, sempre que chegava e saía do trabalho vestia o seu terno e gravata.
        Algumas vezes para zoar com ele, o nosso chefe imediato pedia algum serviço externo, em outra repartição, e o coitado trocava a vestimenta e saía para executar o serviço. Voltava e colocava novamente o uniforme.
        Mas o My story não tinha uma história, mas imaginação, aliás, tinha muita. Para começar ele faltava muito. Daí, pelo excesso de faltas ele estivesse mais para alternado do que para contínuo. E cada uma das faltas tinha uma justificativa. Todas com uma comprovação. Mas a grande preferência do My story, quando o assunto não envolvia faltas, era o seu afilhado, de quem falava sempre elogiando como um jovem talentoso.
        Tinha muitos primos. E por esse motivo, nas desculpas das faltas, havia sempre um primo no centro delas. Perguntávamos se todos eram oriundos do Rio Grande, do norte, de Jardim de Piranhas, seu local de nascimento. Ele confirmava que sim. Mas, o legal mesmo, é que o My story nunca se irritava, e por estar sempre de bom humor tornava-se um sujeito simpático, mesmo quando, por curiosidade, queríamos saber como se chamava alguém nascido naquelas paragens: se era jardineiro ou piranhudo.
        Aliás, primo é um personagem que se encaixa em qualquer história. Diferente de tios e irmãos, primos podem ser de qualquer idade, tamanho, procedência e, inclusive, grau. Quando queremos ajudar alguém, dizemos: Vai lá e diz que é meu primo. Ou então: Esse cara é um primo meu e tal … E sempre morria um, dos primos do My story. E morria de uma morte comprovada, ou de um acidente verídico.
        Todas as vezes que acontecia uma tragédia na cidade como incêndios, desmoronamentos, acidentes automobilísticos, lá estava um primo do My Story presente, morto ou acidentado. Ele apontava no jornal: Meu primo! Tinha que prestar uma assistência, porque a família achava que ele resolvia tudo, dizia.
        Sujeito muito prestativo, atencioso, quando comparecia, My story foi caindo nas graças dos chefes, não importando quem fosse. Eles já chegavam à repartição e perguntavam se ali trabalhava o Josué.        Faziam questão de conhecê-lo e cumprimentá-lo. Esse comportamento, com o tempo, foi-nos acostumando àquela figura e suas desculpas, comprovadas, como ele dizia. E o alternado passou a ser um novo cargo na repartição.
        Com uma mudança de governo, um novo chefe apareceu e estranhamos que ele não quis conhecer o Josué. My story não se incomodou e dali a alguns dias veio a notícia de que nosso diretor-geral teve um ataque cardíaco e foi internado. O Josué, não demorou muito tempo, começou a faltar, repetidamente. O novo chefe não se conformou e começou a perguntar por ele.
        Não sabíamos de nada, já aguardando as desculpas de praxe, até que em um belo dia aparece o My story na repartição, sendo logo interpelado pelo chefe. Esperávamos uma morte ou acidente de um dos muitos primos.
        My story, sensivelmente preocupado, disse que o seu afilhado tinha sido internado, precisando muito de sua assistência.
        O novo chefe, irritado, achou muita petulância do My story inventar uma das suas histórias.
        Sem perder a postura, My story disse que o seu afilhado era muito querido e importante, para ele, ressaltou. Ficamos penalizados. O chefe pegou imediatamente o telefone e determinou que o My story subisse ao setor de pessoal para que fosse suspenso.
        Sentimos muito que o My story tivesse chegado até aquele ponto. Ele se envolvera nas suas mentiras, e como todas haviam “colado”, é claro, contando com a compreensão dos chefes, que perdera a dimensão, o alcance delas. E, talvez, aquela falta fosse verdadeira. Mas, ele foi pego em um momento de azar.
        Alguns dias depois, o chefe da repartição nos convoca para uma reunião, onde comunicou a volta do My story ao trabalho. E disse mais. Não importava a quantidade de primos que ele tivesse matado ou acidentado; o diretor-geral era o afilhado do My story.

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Nilson Lattari

Nilson Lattari é carioca, escritor, graduado em Literatura pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e com especialização em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Gosta de escrever, principalmente, crônicas e artigos sobre comportamentos humanos, políticos ou sociais. É detentor de vários prêmios em Literatura