Crônicas

O sentimento de ser trágico

        Nada é mais trágico do que antecipar as desgraças. Nada nos faz mais malefícios do que imaginar o que de ruim poderia acontecer. Devemos levar a vida com otimismo, sempre pensando positivo?
         Quando leio ou ouço essas palavras imagino alguém caminhando sobre brasas, sem se importar com a dor que sente, levando um sorriso na boca como se nada estivesse acontecendo. É claro que o otimismo é uma pauta importante para nós todos. Sem a confiança no futuro não poderíamos prosseguir.
         Há um componente, no entanto, de suma importância: o acreditar em si mesmo, na capacidade de fazer e reagir. Afinal, se não somos os primeiros a valorizar o que nós somos, como esperar que outros valorizem? Antecipar desgraças é imaginar que tudo o que fazemos, por exemplo, não servirá para nada. Antecipamos a desgraça da nossa própria existência, se nos baseamos na opinião de outros.
        Como imaginar que um artista que antecipa o futuro, se lança na vanguarda do seu tempo, projetando uma ideia futurista, constantemente ridicularizada pelas pessoas que não veem o futuro ali inserido, continue a acreditar no seu trabalho?
        Nada é mais trágico do que ter vergonha da própria forma de pensar. Ter vergonha de um insight, uma luz que desce no cérebro e abre uma janela para o futuro. Quando alguém assim desiste do seu próprio sonho vive a situação mais trágica que antecipar sua derrota; já nasce derrotado aquele que não acredita em si mesmo, que procura nos outros o espelho da sua crítica. E por que não se revoltar contra o status quo e seguir seus preceitos, suas ideias e avançar, não importa o que a plateia imagine ou pense?
       Se antecipamos a derrota é melhor não continuar. Nada é mais nocivo do que envenenar nossos pensamentos e nossas ideias. Sim, é claro, temos o medo da derrota. Mas isso é perfeitamente normal, faz parte da nossa vida.
      O otimismo exagerado não é uma coisa boa e, por outro lado, o pessimismo também. Avançamos com uma dose de cada um deles. Mas, pensando bem, que prazer em sentir que estamos avançando e decidimos cruzar os nossos limites que, muitas vezes, são dados por outros, covardes e invejosos diante do nosso progresso?
       A primeira coisa é pensar nesses limites, que são impostos por argumentos estapafúrdios, disseminados por aqueles que não pensam na ajuda ao outro, mas manter uma assistência presa aos seus próprios interesses.
      As religiões, as profissões, os moralismos disseminados são os guardiães que impõem limites a nós. Romper com profetas da fé não é romper com Deus. Romper com os doutores em determinar profissões para alguns não é romper com o desejo de ser alguém, de procurar algo que lhe caia como luva na alma e no espírito. Romper com ideias moralistas não nos faz imorais, apenas nos transformam em seres abertos e prontos para não imaginar o trágico antes de tentar.

Origem da foto: Foto de Vitalii Khodzinskyi na Unsplash

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Nilson Lattari

Nilson Lattari é carioca, escritor, graduado em Literatura pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e com especialização em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Gosta de escrever, principalmente, crônicas e artigos sobre comportamentos humanos, políticos ou sociais. É detentor de vários prêmios em Literatura

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