Crônicas

O que guardamos das nossas lembranças?

        O que guardamos das nossas lembranças? Algumas vezes alguém nos alerta sobre um determinado acontecimento no passado, narrando com riqueza de detalhes um fato do qual nós não fazemos mais nenhuma ideia. Por que nós esquecemos isso e, no entanto, lembramos de outras coisas?
          Fatos ruins em nosso passado e más experiências podem ficar gravadas ou não em nossa memória. Muitos selecionam as imagens quando são por demais torturantes, como um remédio que o cérebro nos dá para aliviar nossos sofrimentos. Não podemos nos arrepender daquilo que não recordamos. Então, em um determinado instante, mais velhos, algumas recordações nos chegam como se fosse uma contabilização de toda uma vida. Podem chegar o arrependimento e a sensação de uma oportunidade perdida. Por que não fiz isso e fiz aquilo?
         São encruzilhadas que a memória nos impõe como uma prestação de contas, uma chamada à responsabilidade, afirmando que somos responsáveis por tudo aquilo que fazemos. Não podemos alegar inconsciência, mas podemos alegar a falta de experiência.
          Por outro lado, lembramos dos momentos que vivemos felizes ao lado de amantes ou de amigos de infância e juventude. E se os reencontramos no futuro, mesmo que haja mágoas anteriores, tudo pode ser contornado e as lembranças dos risos retornam e sempre vencem.
          No entanto, os choros são inesquecíveis, as mágoas e o desprezo. Mesmo eles podem ser superados nos reencontros do futuro.
        Um detalhe, porém, se torna irreversível. Quando as pessoas, realmente, mudam, ou mostram o que sempre foram, vivendo escondidos na inocência dos primeiros anos. A descoberta de certos pensamentos, agora cristalizados na maturidade, nos fazem chorar e é muito triste descobrir que eles nos fazem chorar.
         Então se não escolhemos esse alguém no passado foi uma boa decisão, apesar de ser tido tirada do nada. Mesmo que tenha sido uma decisão nossa ou de outrem. No futuro, não se pode alegar falta de experiência e nem mesmo a inconsciência. Pessoas não mudam, já disse Dr. House. O velho ranzinza e problemático, moralista e antipático é apenas o jovem que cresceu e se tornou mais convicto dos seus pensamentos. Machado de Assis disse que o homem é a criança de amanhã. As pessoas são o que são e devemos nos perguntar se vale a pena chorar por elas.
         Logo, o futuro é o momento de ultrapassar isso. Não há demérito em nos desligarmos daqueles que nos ferem, direta ou indiretamente. Se no passado não éramos obrigados a conviver não com o diferente, mas com o indiferente pela causa humana, então qual o motivo para continuar nossa angústia, em nome de uma amizade que não vai nos levar a lugar algum?
          Chegamos a um ponto onde nossos choros, nossas lágrimas e nossas decepções não valem um dedo de prosa. Quando alimentamos o mal e damos vozes a eles perpetuamos sua existência.
          Amizades e pensamentos tóxicos são tóxicos que não precisamos para viver.

Origem da foto: Foto de Matheus G.O na Unsplash

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Nilson Lattari

Nilson Lattari é carioca, escritor, graduado em Literatura pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e com especialização em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Gosta de escrever, principalmente, crônicas e artigos sobre comportamentos humanos, políticos ou sociais. É detentor de vários prêmios em Literatura

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