Opiniões

O fiscal de gênero: meu personagem de 2017

        Meu personagem de 2017 não poderia deixar de ser aquele que toma conta da vida e principalmente do corpo do outro, e, para isso, dei a ele o nome de fiscal de gênero.
        Digamos que ele seja uma pessoa de bem. Afinal, aqueles que fiscalizam os outros sempre são pessoas de bem, e também são pessoas sem bens defendendo aqueles que têm bens. Donde a própria origem já se prenuncia como um paradoxo.
       Com audácia, aqueles que querem atribuir a si mesmo um gênero, que foge aos conceitos de existência que as pessoas de bem condenam, lutam e se afirmam e enfrentam a fiscalização que lhes fazem do corpo. Porque é tudo uma questão do corpo, por certo alguns achando que é um desperdício mulheres amarem mulheres, ou homens “deixarem” de ser homens (medo de ficarem sozinhos? Vai saber).
        A última peripécia foi a recepção que recebeu a filósofa americana Judith Butler, que discute a ideologia de gênero, e foi quase queimada em uma fogueira medieval. O fiscal de gênero quando alardeia seus pensamentos, ainda mais provoca e desperta as pessoas para o assunto. Ele não vê que é o maior propagador do pensamento, quando acha que combate: são tão burros assim?
         Tudo que é diferente traz desconforto para aqueles que não gostam da diferença?
         Penso que não. A ojeriza ao diferente, manifesta por algumas pessoas, ditas de bem, sempre existiu. O nosso fiscal de gênero, na verdade, não fiscaliza nada. Ele tenta capitalizar para si uma parcela da população que manifesta sua crítica nas conversas entre si para banir do mundo “essa gente” diferente. Muitos espertalhões descobrem ali um nicho de votos, e procuram de uma forma ou de outra conseguir alguma projeção ou algum ganho. Juntam uma claque para fazer barulho, chamam a atenção, atiçam ódios e recolhem os lucros no rescaldo de uma luta sem nenhum sentido, sentido só para eles.
         O fiscal de gênero não está preocupado com as desigualdades sociais, com a entrega do país ao estrangeiro, com a verdadeira e escandalizada participação de congressistas, com a corrupção de verdade. O fiscal de gênero está preocupado o que duas pessoas fazem dentro da sua casa?
       Havia uma história na época da Ditadura de que toda vez que o governo militar queria fazer alguma medida extrema, sempre apareciam discos voadores nos céus do Brasil, enquanto direitos e nossas carteiras eram surrupiadas.         Hoje, o fiscal de gênero faz o mesmo papel daquele que desvia as atenções das pessoas, causando irritação, causando barulho, para as devidas regressões que os políticos estão nos impondo.
        Será que, no fundo, esses fiscais de gênero não são os OVNI daqueles tempos? Será que são tão bobos e estúpidos quanto parecem? Assim como deputados e senadores que levam ao congresso as discussões mais absurdas e sem sentidos?

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Nilson Lattari

Nilson Lattari é carioca, escritor, graduado em Literatura pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e com especialização em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Gosta de escrever, principalmente, crônicas e artigos sobre comportamentos humanos, políticos ou sociais. É detentor de vários prêmios em Literatura

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