Opiniões

O discurso, o gato comeu

O DISCURSO, O GATO COMEU

     Há algum tempo a sociedade politizada se pergunta o que é estar à esquerda de alguém.  Se fosse uma personagem de contos de fadas estaria defronte ao espelho e se perguntaria o que ela é. A resposta seria franca e direta: uma velha senhora. Ou amadureceu, diriam os românticos.
     No princípio, a luta contra os governos autoritários. Mas não existiam governos autoritários ditos de esquerda? Então, na verdade, existiam choques de interesses, que se acobertavam no movimento da vez.
     Depois, a luta contra os excluídos, representado no imenso passivo social deixado pelo livre mercado. O mercado resolveria tudo, dizem ainda os vitoriosos no regime capitalista. Somente esqueceram de combinar com o outro lado. Quem pagaria a conta?
     Finalmente a esquerda chegou ao poder no Brasil. Não nos levou à lagoa azul, na expressão do ex-ministro Delfim Neto, mas existe uma sensação de que o cheirinho dela é possível. Mas ela se transformou, a esquerda, envelheceu, cansou. Os movimentos sociais que serviram de escopo para o discurso da esquerda, todos os sem alguma coisa tomaram rumo próprio.
     Existe discurso, mas a plateia sumiu. A esquerda aburguesou.
     Simplesmente, com a vitória do capitalismo sobre o socialismo, descobriu-se a necessidade de amansar o capitalismo. É exatamente isso que as esquerdas no Brasil, representadas pelo PT, PC do B, PDT, PCP e PSB, fizeram. Resolveram assumir o capitalismo no Brasil e os deram a quem de direito. Através da tranqüilidade de que poderiam continuar os movimentos em direção ao lucro, com a sinalização de que aos pobres seria dada a sua parte. Coisa que os preocupados com o livre mercado não tinham tempo.
     O PT implodiu e dele saíram PSOL e PSTU em busca do purismo. Que implodirão e criarão outros redutos cada vez mais puristas, até pregarem sozinhos no deserto. São donos de um discurso que o gato gordo do bom senso comeu, mas, que ela resista, com um fio de esperança.
     O sentimento que fica é de que o purismo não existe. O Homem finalmente abandona a hipocrisia. Ele é falho. Resta aos saudosistas da esquerda chegar à conclusão de que o paraíso deve estar em algum lugar, menos aqui.
     É quase consenso entre os grandes capitalistas, que se resguardam de ataques ao seu instinto animal, as grandes doações, os trabalhos éticos na contratação de mão-de-obra etc. Ao mesmo tempo, a esquerda no Brasil, representada pelo partido no poder, se debate com questões éticas e morais. Por outro lado, um dos ícones da esquerda, habitando o PPS se alia aos partidos de então representantes da direita. Outros de direita se aliam ao governo, de esquerda. Alguns até mudam de nome, um tanto mais democráticos, como o ex-PFL.
     Baratas tontas, volver!
     Todos atrás de um discurso que possa juntar em um mesmo balaio, pobres e ricos, em busca apenas de um projeto de poder.
     Alguns articulistas, analistas de pesquisas, rotulam os eleitores do atual governo como incultos e ignorantes.
     Mas a grande questão é: quem os criou há 30, 40 anos atrás? Quem amealhou esse imenso estoque de eleitores da esquerda?
     Mas, enfim, quando falamos de direitos cristãos à vida, não podemos nos esquecer que o guardião desses valores está à direita do Pai. Quem estará à esquerda Dele?

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Nilson Lattari

Nilson Lattari é carioca, escritor, graduado em Literatura pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e com especialização em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Gosta de escrever, principalmente, crônicas e artigos sobre comportamentos humanos, políticos ou sociais. É detentor de vários prêmios em Literatura