Crônicas

Muitos likes, muitos amigos?

        Seguidores, muitos likes, compartilhamentos, as redes sociais disseminam uma quantidade de supostos admiradores e de reais odiadores. Muitos seguem por moda, outros por admiração, e a ideia de que se tem milhões de amigos, no final das contas, amigos nenhum.
      O mundo virtual cria uma ideia virtual de amizades. Amigos, hoje, são como uma coleção que fazemos. Claro, que podemos conquistar a admiração de alguém distante, impressionado por alguma coisa que escrevemos, reproduzimos, e daí uma admiração mútua. Às vezes dá até em casamento. Ou pode dar em alguma coisa perigosa que vai pregar uma peça mais adiante.
        É prazeroso ver a multiplicidade de likes que recebemos. Mas será que não é uma ilusão, e uma ilusão que criamos para nós mesmos?
       A amizade se afasta do seu real significado, assim como um mundo virtual nos afasta da realidade. Saímos de uma realidade nua e crua para uma realidade temperada por fantasias. Os memes, os pequenos símbolos de celebração são lindos, mas são apenas papéis digitalizados, teclados por alguém que não esteja tão ligado na comemoração. Apenas um protocolo, quem sabe para receber, no futuro, a mesma correspondência.
      Os amigos se identificam não por uma ideia de fraternidade, no mundo virtual. Eles se aproximam por uma ideia de pertencimento. Fazem parte de uma mesma ideologia ou de uma mesma ideia de loucura.
       O mais bizarro é ver uma amizade que sobrevivia na realidade se desfazer no mundo virtual, e a realidade não voltará a ser a mesma.
       No mundo virtual, encoberto pelo anonimato, tudo que há na mente humana se desfaz sem freio e sem pudor. Falar o que se quer não é ouvir o que não quer. Discussões que se estabelecem no mundo virtual talvez nunca aconteceriam no mundo real. Na realidade, as faces mudam de figura: o físico se sobrepõe ao fictício.
      É difícil identificar na multidão o que o outro pensa. No entanto, no mundo virtual é o pensamento que toma conta de tudo. E mostra, cada um, o que é realmente. O mundo virtual torna a realidade deprimente.
      É um pouco dessa angústia o processo final da convivência desses dois mundos. Estamos mais angustiados, mais depressivos e menos empáticos em relação ao outro. O mundo virtual nos transforma quando saímos às ruas. E nos perguntamos se aquele que nos fala, com educação, com simplicidade, com um olhar normal, quem será ele no mundo virtual, encoberto pelo anonimato?
        Os likes não definem os amigos. E nem sempre são os amigos que nos dão os likes. Likes são os amigos do mundo virtual. No mundo real, os amigos que talvez restaram são bem poucos.

Origem da foto: Foto de Tolga Ulkan na Unsplash

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Nilson Lattari

Nilson Lattari é carioca, escritor, graduado em Literatura pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e com especialização em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Gosta de escrever, principalmente, crônicas e artigos sobre comportamentos humanos, políticos ou sociais. É detentor de vários prêmios em Literatura

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