Crônicas

De onde sai o tiro?

        Como podemos avaliar as boas intenções de alguém que se oferece para ajudar? Os golpes que o falsário pratica começam sempre com uma boa intenção, por exemplo. O principal objetivo é conquistar a confiança do outro, trazê-lo para perto de si e manter o controle sobre ele. Controlar alguém passa por um encantamento, por um tipo de bom-mocismo que encanta, que envolve, que conquista. O objetivo do falsário é encontrar pessoas ou grupos que, sem rumo, sem amor-próprio ou presos aos seus preconceitos ou ignorância, se apresentam como vítimas ideais.
       A mão que oferece está sempre acima daquela que recebe. Porque a mão se estende para que o outro se fortaleça nela. Para que um golpe se consume, seja ele de qualquer perspectiva, passa por vender algo que o outro necessita, ou acha que.
       É caracterizado que as táticas usadas pelos falsários são a de escolher, exatamente, o tipo de pessoa que se encontra fragilizada. Normalmente, alguém órfão que passou por uma desilusão qualquer, viveu uma tragédia. O fragilizado é a vítima perfeita.
       Não há diferença entre o falsário e o falso líder que vendem suas ideias. E essa fragilidade pode estar na ausência da reflexão do mundo por uma visão de um mundo particular, elaborado dentro de si mesmo que sirva de lugar perfeito para a sua própria exploração. Fanáticos são órfãos à procura de um líder necessário. Os temores do falsário e do líder de fanáticos é que o outro consiga ver o mundo fora das suas óticas.
         Uma das melhores formas de esconder intenções está nas instituições que, por princípio, devem voltar seus objetivos para uma vida reta e honesta, visando um mundo melhor.
       Nenhum dos dois se escondem nas suas próprias vidas, ou seja, eles nunca mostram o que são, onde vivem. Eles sempre vivem na vida de uma instituição, pregando aquilo em que não acreditam. No entanto, há bons e maus dentro dela. Mas nada melhor que esconder a maldade no meio da bondade. Logo, a mão que dá algum bem ao outro tem que se colocar em lugar superior: no púlpito de uma igreja, atrás de um uniforme ou na frente de uma plateia.
        Toda aquele que prega o bem se aproxima do outro para ajudar, mas nem todo aquele que se presta para ajudar está, exatamente, propagando o bem.
       A mão que dá é macia e silenciosa, é aconchegante e acolhedora. Ela é um porto seguro para aquele que caiu ou é órfão do mundo. Mas nós não sabemos de onde sairá o tiro que vai nos atingir, porque essa mesma mão pode ser aquela que vai cobrar o bem que ela deu. Para a mão da bondade, por consequência, seremos sempre gratos. Se ela seguir seu rumo e continuar o seu caminho, permitindo que nós sigamos o nosso pode ser que ela represente o bem em todo sentido. Mas se ela se mantém por ali vigilante, como um tipo de policiamento, a nossa mente deve estar ativa para precaver futuros perigos.
       Dar sem olhar a quem é um ato profundamente cristão e louvável. Mas quantas mãos se estendem apenas porque escolhem, exatamente, um determinado perfil? O mal se disfarça no bem, porque no bem tudo cabe.
      Receber também é um ato de caridade que fazemos a nós mesmos. Porém, a consciência deve estar sempre alerta, porque o perigo mora, muitas vezes, mais próximo de nós do que imaginamos.

Origem da foto: Photo de Sebastian Pociecha sur Unsplash 

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Nilson Lattari

Nilson Lattari é carioca, escritor, graduado em Literatura pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e com especialização em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Gosta de escrever, principalmente, crônicas e artigos sobre comportamentos humanos, políticos ou sociais. É detentor de vários prêmios em Literatura

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