Opiniões

Daquilo que o grande capital mais gosta

        Uma das mentiras mais propagadas e falaciosas do capitalismo é a de que o capital precisa de tranquilidade das instituições, norte definido, para a arquitetura de estratégias no emprego e no desenvolvimento das nações. Pura tolice. O grande capital só progride onde há desordem, desmantelamento de instituições e prenúncios de crise: somente os donos do grande capital adoram crises. Afinal, se eles possuem a commodity mais cobiçada no mundo financeiro, por que se preocupar com a crise? Afinal, a crise é dos outros, daqueles que não têm o capital, e vendem corpos, almas, caráteres na busca de consegui-lo.
         Se retornarmos à época do escravagismo, podemos observar a mesma dinâmica que constrói a argumentação do grande capital. Na verdade, o combate ao tráfico negreiro teve objetivo de combater a mão de obra gratuita, em nome de um pseudo humanismo, que na verdade encobria o envio dos negros libertados dos navios negreiros para as plantações de açúcar na Jamaica, que competiam com as plantações na América do Sul, no Brasil.
       O desmantelamento do processo de mão de obra escrava ocasionou uma crise na agricultura americana, e a criação de uma nova população de consumo para os produtos britânicos.
         Quase cem anos depois, nas décadas de 60 e 70 do século XX, o mundo se deparou com uma série de quedas nos regimes democráticos e a ascensão de regimes ditatoriais: era o Trilateralismo Econômico. Esse ente tinha como bases as indústrias japonesas, americanas e europeias. Desorganizando os processos políticos na América do Sul, Caribe, Ásia, África, com a descolonização europeia, e Oriente Médio, os novos regimes ditatoriais amparados na hegemonia americana impuseram uma política de força nos movimentos populares, nas classes trabalhadoras que estavam em ascensão para conseguir melhores condições de vida.
         Com o passar do tempo, o grande capital percebeu que sua interferência criou uma outra forma de escravidão, na forma de mão de obra barata e o próprio capital, como traidor de si mesmo na busca de melhores lucratividades, transferiu suas fábricas para o então terceiro mundo, lançando plataformas exportadoras para o próprio mercado americano e europeu, trazendo desconforto com a empregabilidade no próprio solo do Trilateralismo.
       Consequentemente, com a crise dos anos 80, o grande capital soltou as amarras, com a falência dos seus modelos, e novas ondas de democracia invadiram os territórios, com a retomada de novos valores para a mão de obra, equilibrando novamente a balança.
          É incontestável que lançando qualquer base política em um território, desde que conflitos religiosos e étnicos se mantenham em níveis satisfatórios de equilíbrio e convivência, contidos nas regras de um regime legítimo, as regiões se desenvolvem por si mesmas. Este desenvolvimento traz reequilíbrio nas balanças financeiras e no mundo, e no caso disso acontecer, a distribuição de renda não beneficia o grande capital, o rentismo no mundo.
        Vemos acontecer no mundo, atualmente, uma reorganização da geopolítica mundial, representada nos Brics, propondo uma engenharia que coloque os americanos em um estado mais próximo de convivência, e todos sabem, principalmente eles, que caso vivam como as outras nações, com seus dilemas de equilíbrio da dívida interna, na própria moeda, e na dívida externa em uma moeda sobre a qual não tenham controle, em contraste com a atual vivência patrocinada tão somente o dólar, administrando uma dívida externa, financiada pelas outras nações, o mundo retomaria outro equilíbrio.
        É fácil entender que o grande capital, concentrado nos EUA, combata, com veemência o fortalecimento dos Brics, e, principalmente, os fundos soberanos, onde os países tendam a aplicar seus capitais, livremente, em financiamentos de outros, como forma de angariar melhores remunerações, ao invés de aplicar pura e simples nos títulos do Tesouro americano (os T-Bonds), ou o financiamento do modo de vida americano, que, por sua vez, segue como modelo de exportação, tão só no estilo em si, e não no seu cerne, contrariando as culturas sobre as quais se julga hegemônico.
          Em um mundo equilibrado, o capital não deixa de ser remunerado, a não ser com a diferença que seria o capital de todos, e não só o grande capital que se acha em poder de poucos.
        Essa é a dinâmica que hoje se constrói no mundo, com a desestabilização de alguns governos, e, portanto, o momento em que o grande capital nas mãos de poucos precisa de uma crise para continuar o mesmo.
        A diferença, hoje, é que a internet patrocina uma facilidade de comunicações mantendo uma unidade de postura fora das ruas, e protegida de violências físicas, além do fato de que as populações que representam religiões e etnias estarem mais próximas e mais coesas, renascidas de regimes que foram dilapidados e desconstruídos, além do fato de a Rússia procurar seu novo espaço na geopolítica e, dessa vez, não em uma posição de representar o outro lado, mas de estar no mesmo lado, com o alinhamento nos Brics.
     Essas as novas formações na geopolítica internacional, e as consequências são imprevisíveis, a única previsibilidade é do egoísmo do grande capital que teima em persistir na mesma estratégia.
          Além disso, o capitalismo tem o grande mérito de construir riquezas, e o grande movimento no mundo é dar a ele as condições de distribuí-las, e a distribuição gerando igualdade torna o grande capital pequeno em valor e em poder: esta a razão da ordem mundial começar a virar de ponta cabeça. É construir e alimentar crises para continuar o mesmo.

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Nilson Lattari

Nilson Lattari é carioca, escritor, graduado em Literatura pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e com especialização em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Gosta de escrever, principalmente, crônicas e artigos sobre comportamentos humanos, políticos ou sociais. É detentor de vários prêmios em Literatura

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