Crônicas

Dá para esquecer?

      As melhores coisas da vida a gente não esquece, e nem as piores coisas. Esquecer não é uma arte, esquecer é uma fantasia. Por que não deveríamos esquecer os bons momentos que vivemos na vida, e por que deveríamos esquecer os maus momentos, aqueles que nos constrangeram, aqueles em que sentimos a humilhação e de se sentir o último dos seres humanos na face da terra?
      A memória é uma ilha de edição, já disse Wally Salomão, grande poeta baiano. Quando revivemos a memória, os personagens, as cores, as paisagens são transformadas, e aquilo que imaginamos que poderia ter sido bom passa a ter um novo formato, até para adequar aos nossos pensamentos, e muitas vozes colocamos em bocas que, talvez, em situações reais, nunca teriam dito aquilo.
        Os esquecimentos, os maus, principalmente, poderiam ter uma ilha de edição que os transformasse em não tão ruins assim. Mas, isso é possível. Um mau emprego poderá nos dar uma lição, no futuro, sobre aquilo que não queremos ou a palavra dita fora de hora ser editada para que não seja repetida no futuro, nem na hora errada e nem na certa, edição que jogamos no lixo.
       Um relacionamento amoroso que foi tóxico durante muito tempo, ao qual nos apegamos por diversas razões, sempre será lembrado quando vier algum tipo de saudade, e a memória sem edição compara os maus momentos que foram superiores aos bons momentos e, portanto, nada de frustração, nada de arrependimentos, porque o esquecimento é um não retornar, é um não refazer algo que, se não deu certo, não tem nenhuma esperança de que vá acontecer o contrário: as diferenças são as mesmas, conciliar relacionamentos, quer profissionais ou amorosos, é entrar em processo de negação e, no final, para que tudo corra bem, alguém tem que assumir uma culpa que não lhe é devida.
         O importante é não esquecer. O esquecimento nos leva a cometer as mesmas tolices de antes, a repetir os mesmos erros. Não. O esquecimento é ruim, a lembrança é benéfica. Se ela é tóxica, apenas se lembre de que ela foi tóxica, que nunca mais vai se repetir. Isso se chama experiência de vida, calejamento, uma certa frieza, uma rebeldia contra nossas fraquezas.
         Amadurecer é não esquecer, para não repetir os mesmos erros. Gastar vela com mau defunto é imaturidade. A fila andar é o esquecimento, não nos ajuda a andar para a frente, somente para o lado.
         Vivemos bons e maus momentos, e o conjunto deles é que nos transforma, nos faz crescer. E sempre que algum tipo de solidão nos acomete, ou a falta daquela grana que vinha fácil, é lembrança que nos vem atormentar, apelamos para o não esquecimento e nos lembramos, em uma relação de custo versus benefício, se valem a pena as horas de tristeza ou a angústia de fazer o que não se gosta, se trocar uma solidão inventada ou uma chance de comprar o que queremos vale a pena pela tranquilidade de não se sentir em estado real de tristeza.

Fonte da foto: Photo by Christian Erfurt on Unsplash 

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Nilson Lattari

Nilson Lattari é carioca, escritor, graduado em Literatura pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e com especialização em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Gosta de escrever, principalmente, crônicas e artigos sobre comportamentos humanos, políticos ou sociais. É detentor de vários prêmios em Literatura

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