Crônicas

Crônica do amor de pai

        Pai é uma palavra que vive dentro de outras palavras: paixão, país, paisagem, pai-nosso. Somos tudo, até pai dos burros. É um universo que se preenche por palavras graciosas e outras nem tanto. Porque, como as palavras, são também imperfeitos, nem sempre pais completos, pais faltantes ou presentes, de todos os dias.
        O filho não nasce de um pai, ele nasce com a participação de um homem, que pode se tornar o pai ou não. E assim como as mães podem ser pais, como muitos homens podem ser as duas coisas, tudo junto. Como as palavras, as paternidades são muitas.
        O pai, na maioria das vezes, é a ausência. Pais são aqueles que chegam no final do dia, e não é companhia quando o sol nasce, que está ali, durante o dia, e que adormece aos sábados e domingos. Nem sempre é aquele que vemos quando acordamos e olhamos em volta.
       Para o filho, aquele olhar durão, meio que cobrando coisas, comportamentos, ritos de passagem de cultura. E se for aquela filha, não ter vergonha de ter ciúmes, de achar que será sempre o eterno enamorado, e guardar os olhares desconfiados para qualquer aventureiro que se aproxime daquela princesa que tem ao seu lado.
        Ser pai é encarar mudanças, daquele filho que imaginou e que agora está fora do que deseja. Ser pai é encarar as escolhas deles, mesmo que, internamente, se moa, para reconhecer a humanidade que o filho tem. O importante é que seja o ser pleno de humanidade e bondade onde esteja.
        A paternidade pode vir de qualquer lado. Hoje, as muitas paternidades estão mais visíveis. Tem pai de todo jeito: tem filho que vive com dois pais; tem pai que vem do outro lado: tem pai que vai para o outro lado, tem filho que tem duas mães, então o papel de pai está todo misturado.
        Tem pai que joga bola com seu garoto e tem pai, quando a mãe chega em casa, está vestido, calçado e maquiado pela filha estilista. Mas o sentido da paternidade não tem problemas de trânsito, é via de mão dupla, o que importa é amar e ser amado. Tenta se achar acima do bem e do mal, mas, no fundo, é tudo bobagem. Também chora, se desespera, e esconde fraquezas, porque é humano, bem sabe.
        Enfim, não vamos enxergar a paternidade como algo de macho. Ela tem muitos pertencimentos, e até mesmo na palavra paternidade tem o feminino do lado. Deus é pai porque julga, castiga e dá os conselhos. Então Deus também é mãe, porque faz isso tudo da mesma maneira. Logo, paternidade não tem nada a ver com o divino. Ser pai é ser humano, e aquele jeito meio sério é puro fingimento. Nessa bobagem de que alguém tem que dar o exemplo, ele vai sufocando e perdendo o jeito de dar e ganhar beijo no filho barbudo e homem feito.
          E quem ridiculariza aquele que do pai recebe o beijo, no fundo é um invejoso, porque não teve um pai beijoqueiro.

Fonte da foto: Photo by Анна Хазова on Unsplash

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Nilson Lattari

Nilson Lattari é carioca, escritor, graduado em Literatura pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e com especialização em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Gosta de escrever, principalmente, crônicas e artigos sobre comportamentos humanos, políticos ou sociais. É detentor de vários prêmios em Literatura

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