Crônica da loucura
Afinal que loucura é essa que anda pelas mentes, essa vontade irresistível de mudanças? Como é ser louco em um mundo cada vez mais distante do humanismo que deveria permear todas as nossas ações?
Que faz um louco que diz coisas insanas como querer menos desigualdades, a bradar pelos ares que devemos ser mais iguais, menos egoístas, menos ambiciosos na forma de buscar novas formas de viver, mas de acumular coisas, como se fôssemos viver eternamente e nossos destinos seriam o de alugar galpões com espaços intermináveis?
Enquanto um louco sorri sozinho, de si mesmo, de seus devaneios, esses loucos que lutam por novas formas de viver são as vítimas dos sorrisos daqueles que passam e os ouvem a bradar pelas praças, a empunhar faixas e cartazes, de que a vida tem de mudar. São loucos a pedir o término da loucura.
Loucos são aqueles que buscam uma vida mais simples, que procuram formas mais naturais de se alimentar, de consumir, dentro dos seus limites, estabelecendo uma nova forma de entender a felicidade, que mesmo restrita a uma casa, a um quarto, a uma mente descolada, apenas são vistos como os loucos, os diferentes.
A diferença é a loucura dos visionários, e não a indiferença que está dentro de nós – que mundo louco, meu Deus!
No final do século XIX ficou estabelecido que loucos seriam aqueles que não obedeciam às normas sociais. E quantas coisas foram feitas aos loucos que apenas queriam mostrar no presente as mudanças possíveis no futuro? Quantas vezes as ideias loucas por um mundo mais justo foram consumidas nas fogueiras, escondidas e guardadas em livros que se empoeiraram nas bibliotecas e nos porões sujos, protegidos pela onda de normalidade que assaltou alguns de nós.
Enquanto os loucos querem um outro mundo possível, livre das amarras e das ideias já estabelecidas e prontas para aqueles que estão vindo, há os que obedecem ao sistema pronto e desfilam suas normalidades e falsas aparências.
Como não estabelecer um muro divisório físico, real e outro dentro de nós mesmos? Todos têm medo dos loucos e das suas loucuras. Quem sabe eles mesmos nem têm ideia aonde as suas loucuras os vão levar? Mas vão, mas se sentirem medo ou dor, vão assim mesmo.
Cada louco com sua mania, cada louco com seu sonho. Como é a sensação dos normais olharem por cima dos muros e rir da loucura dos outros? Será que riem ou gracejam do outro ou riem de si mesmos por não serem corajosos em embarcar na loucura do futuro possível. São os risos dos nervosos e claudicantes.
Loucos são os revolucionários, que quando veem suas ideias sucumbirem no caudaloso rio da subserviência são somente loucos e que a eles não se deve dar atenção. Ou então são os heróis do futuro, aqueles que propuseram uma nova forma de vida, não tão nova, porque queiramos ou não ela está dentro de nós, espremida pela loucura de viver um mundo para o qual não fomos forjados para viver e a nossa zona de conforto.
Quantos loucos de verdade saíram para as ruas a defender heróis forjados na primeira hora. Quantos se serviram de loucos para resguardar a loucura do egoísmo de poucos? Quantos foram taxados de loucos por defender alguma coisa contrária?
Se ficamos louco de amor, fazemos coisas além de nós: pulamos muros, convenções, preconceitos, apenas pela vontade pura de exercer nossa paixão. Loucos são assim, mas somente os amantes são adorados e os revolucionários quando são vitoriosos. Amar é uma forma de loucura. Se todos nós somos capazes de amar, por que não nos permitir outras loucuras?
Mbuki-mvuki é uma expressão do bantu (África) que é intraduzível, e remete àquela vontade irresistível de tirar as roupas enquanto dança. Pense na palavra, no seu jeito, e se imagine. Embarque nas palavras e nas ideias loucas que o mundo dos loucos te dá. Tenha o seu momento de loucura.
Fonte da foto: morguefile.com
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