Crônicas

Atribuir nomes

        Para definir alguma coisa que nos é desconhecida não a apontamos com o dedo e dizemos “aquela coisa ali”. Se não sabemos é preciso conhecê-la e lhe dar um nome que a defina, que a classifique.
         O mais interessante que acontece com a humanidade é uma tentativa de humanizar ou não, tornar apetecível ou não um determinado acontecimento, um fato do nosso cotidiano. Muitas vezes esse fato tem uma avaliação negativa e, portanto, é preciso que amenizemos por interesses ou não aquele fato.
          A velhice é uma questão muito delicada porque é uma fase da vida em que nos aproximamos do final dela. É ruim, não é boa essa questão. Afinal, no momento em que mais sabemos, (salvos exceções que não são raras, infelizmente) e quando podemos aplicar esse conhecimento já não há mais tempo e nem temos uma vida excedente para gastar.
         Assim, a terceira idade passa a ter um significado especial. Não é o final mas é um tipo de próximo capítulo, antes do final. Em questão já estamos na quarta idade, coisa tão efêmera que não haverá tempo para comemorá-la.
        A outra poderia ser a aposentadoria, que em inglês poderia ter uma tradução de retirar-se. Em espanhol soa para nós, da língua portuguesa, algo engraçado por ser jubilado, aquele termo do aluno que não foi bem na escola e de tanto repetir o ano ninguém quer saber dele. Nos dois últimos casos, de fato, é alguém que saiu de linha por um motivo ou outro qualquer.
        Nesse caso é uma vida pós-laboral, que significa depois do trabalho. Um tipo de happy hour ad infinitum. Sem uma hora para começar e para terminar. Em suma uma festa – infelizmente não para muitos.
      Outra muito boa é o excêntrico. Dependendo da condição de renda e do status social soa como alguma coisa exótica, coisa de gente que é descolada da vida, mas pode usufruir desse status porque a sociedade em geral o aceita. Faz coisas engraçadas e irreverentes, mas não incomoda ninguém. Sendo de uma renda pouco favorecida seria um maluco do pedaço, que deveria arrumar algum serviço ou um tanque de roupas. No caso último defendo a igualdade de gênero – igualdade no tanque! Um tipo de castigo imposto pelos críticos.
      Outra é o sujeito muito franco. Aquele que diz o que pensa e fala o que quer. Nesse caso, também depende do seu grau de classificação de poder. Um chefe pode ser franco e não será contestado, um tipo de toga que lhe autoriza esbofetear, metaforicamente, qualquer um, que esteja abaixo dele. É claro que essa franqueza, que poderia ser uma simples falta de educação para as pessoas no extrato inferior, não autoriza aquele franco que faça o mesmo com o andar de cima. Afinal, maluquice tem limite. E ninguém, suficientemente franco, seria franco o bastante para bater em si mesmo ou por-se em risco.
        Assim sendo, as classificações e os nomes têm um motivo ou motivação, um interesse ou não. Comercialmente, os nomes são interessantes para classificar consumidores, na busca de colocar o produto errado nas mãos de pessoas mais erradas ainda, sob o jugo de lei do mercado.
       E encerramos com o politicamente correto. Um tipo de nome que não nos coloca em risco diante de minorias. Nos preserva e nos deixa numa posição de neutralidade, mesmo que por dentro a vontade seja de meter o pé na jaca, ser franco, se passar por excêntrico e o direito de falar abobrinhas porque a velhice é coisa de aposentado e desantenado com o mundo moderno.

Origem da foto: Foto de Davide Valerio na Unsplash

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Nilson Lattari

Nilson Lattari é carioca, escritor, graduado em Literatura pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e com especialização em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Gosta de escrever, principalmente, crônicas e artigos sobre comportamentos humanos, políticos ou sociais. É detentor de vários prêmios em Literatura

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