Crônicas

Adivinhos em quarentena

       Tive a curiosidade de voltar ao final do ano de 2019 e consultar os adivinhos, astrólogos, proponentes de qualquer coisa que antecipasse o futuro. Sempre faço isso, vendo aqueles que “acertaram” e aqueles que “erraram”. No frigir dos ovos, alguém vai acertar ou errar, tendo em vista a enxurrada de predições.
       Lembro do livro “A Lógica do Cisne Negro”, de Nassin Taleb, que fala sobre os eventos que fogem dos padrões e bagunçam as previsões dos futurólogos.
         Ninguém falou sobre a Covid, e, portanto, podemos considerar a sua existência como um evento do Cisne Negro.
       Tentar adivinhar o futuro é o sonho de qualquer um. Por isso, temos um certo fetiche em alimentar esse mercado de falsas esperanças. Penso também onde estarão os adivinhos, tentando readivinhar o futuro, redesenhar as previsões anteriores, procurando justificativas para o fracasso ou tentando ver alguma possibilidade nas previsões que poderiam, talvez, quem sabe, todavia, justificar que houve sim uma previsão.
      Nesses tempos difíceis, fico pensando o que os santos milagrosos e seus feijões mágicos devem estar pensando fazer na volta da tal normalidade. Ficarão as salas de adivinhos, páginas de astrologia e idas aos cultos, palcos de milagres, ainda funcionando, aceitos na nova normalidade (ou anormalidade)? Na retomada, Deus queira, da normalidade não acredito que essas falsas crenças deixarão de prosperar.
       Do mesmo modo, os consultores financeiros tentarão adivinhar o futuro das aplicações, e lembro das palavras de Taleb que desejaria encher de baratas as calças dos consultores e tentar abatê-las a taco de beisebol. Imaginem a cena!
       Acho consultores e adivinhos, astrólogos e charlatães, santos e milagreiros farinhas do mesmo saco. Vejo até mesmo as pirâmides e as previsões do futuro também como pertencentes ao mesmo DNA, a de levar vantagens. Tentar adivinhar o futuro, confiar nesses falsos milagres, uma tentativa tacanha de ludibriar o destino, como se ele, inocente, não previsse também as artimanhas, não leva em conta que ele é mais esperto.
       O destino é um adivinho mais perverso, porque ele, realmente, sabe o futuro (uma ficção do espírito, segundo Hegel), e deve rir muito daqueles que tentam passar-lhe a perna.
      Quando trabalhei em mesa de operações financeiras, uma das perguntas que mais me irritava era “O que você acha que vai acontecer no mercado futuro?” A minha vontade era responder: “Se eu soubesse, estaria aqui?”.
        A vida é um lance de dados, jogados em um pano verde. Pode acontecer de tudo, e pode acontecer, absolutamente, nada.
       Se alguém me pergunta: E aí, quais são novidades? Eu respondo: Nenhuma. E o outro poderia me contestar: Isso é bom? Sim, é bom, é muito bom, é sinal de que estamos seguindo o plano e nenhum Cisne Negro apareceu pelo caminho.
        Devemos seguir o plano, sem adivinhações, sem consultores. A vida é um lance de dados que jamais vai abolir o acaso, já disse Mallarmé.

Fonte da foto: Photo by Shreyas shah on Unsplash
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Nilson Lattari

Nilson Lattari é carioca, escritor, graduado em Literatura pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e com especialização em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Gosta de escrever, principalmente, crônicas e artigos sobre comportamentos humanos, políticos ou sociais. É detentor de vários prêmios em Literatura

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