Crônicas

A estupidez, uma personagem

        Se uma situação perdura, qualquer que seja ela, é porque alguém está ganhando alguma coisa com isso. Seja uma situação social, política ou econômica. Não há mal que sempre dure nem bem que não acabe. Por outro lado, o mal implantado todo o tempo resiste enquanto há beneficiários em maior número, e o bem segue o mesmo caminho quando os beneficiários são muitos, desde que sejam econômica e politicamente fortes para não reverter o processo: o bem sempre figura no lado prejudicado
        O personagem colocado a serviço dos beneficiários do primeiro caso e dos prejudicados do segundo caso é a estupidez.
        A estupidez traz consigo o jeito grosseiro e agressivo do lidar com o outro ou com a situação que se convive. Sendo grosseiro e agressivo todo o tempo revela um sentimento de que o mal pode fazer o que quiser, o que venha na cabeça dos beneficiários. Avantajar-se sobre o outro, mantém o beneficiário no controle de tudo, até que o monstro exagera na sua ação e se torna grotesco e, no final, não mete medo em mais ninguém: enfim, o mal não dura.
      Os beneficiários, do primeiro caso, se escondem na estupidez dos argumentos, na agressividade para trazer o medo de volta. A estupidez não existe por acaso, ela é um processo contínuo, constante, proposital, articulado. Na maioria das vezes, ela precisa de uma legitimidade, uma credencial ao seu discurso, palavras colocadas a soldo. Porque, também, aqueles que têm acesso ao conhecimento, estudam, também podem, simplesmente, reverter as palavras e colocá-las a serviço da estupidez.
       A internet favorece a propagação da estupidez, porque sempre encontra eco nas mentes vazias, em busca de alento para que as vozes que ecoam por ali, finalmente, encontrem os argumentos que precisam.
      A estupidez é uma indústria, a ignorância, no sentido da ausência do saber e do conhecimento é o cliente perfeito para o produto, para a entrega da mercadoria. Aqueles ares sisudos, com a decoração de livros corroborando imbecilidades, têm um sentido mercantil bem claro. Estupidez dá dinheiro, e é muito mais fácil de lidar do que com o conhecimento.
       A estupidez é cínica, porque se reveste de seriedade. Coaches decorados como um pires raso, sem nenhuma profundidade. O incompetente se acha uma pessoa incrível.
     Não sei se vocês notaram, mas há quanto tempo um bom livro de literatura, um bom livro está em todas as bocas? Quando eu li que uma dupla de cantoras se nega a pronunciar o nome Yemanjá em uma das mais belas letras de nossa música, fico pensando na capacidade da estupidez e da ignorância ousar mudar a própria história.
      A negação é o parceiro mais estreito da estupidez. A estupidez é um muro entre o conhecimento e a contestação do próprio conhecimento. Resta saber o que fazer com o bem, já que tanto um grupo quanto outro se julgam os merecedores.
      Outro caso é o despudor de dizer atrocidades, ofensas e não sentir nenhum medo, agir com total impunidade. A estupidez, envolta na grosseria, a título de estar ao lado do bem, vai mudar nossa estrutura social no futuro. E não é para o bem, é para pavimentar o caminho da barbárie e da fraude intelectual.

Origem da foto: Foto de Torsten Dederichs na Unsplash

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Nilson Lattari

Nilson Lattari é carioca, escritor, graduado em Literatura pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e com especialização em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Gosta de escrever, principalmente, crônicas e artigos sobre comportamentos humanos, políticos ou sociais. É detentor de vários prêmios em Literatura

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